Verdades difusas e certezas temerárias
Daniel Lima
Eventos deste último final de semana tiraram os olhos da população do sério dilema da pandemia pelo coronavírus. A saída de um ministro que contava com ampla credibilidade traz ao governo uma perturbação que se soma aos desafios de enfrentamento do vírus. Por um lado, um ministro sai afirmando que o presidente tentou interferir em investigações; por outro, o presidente afirma que o ministro tinha uma agenda pessoal incompatível com o cargo. Como podemos nos posicionar, como podemos entender tudo isso? Mais importante, como a Bíblia nos orienta diante de todo este emaranhado de opiniões e acusações?
Primeiramente devemos observar algumas verdades que contribuem para que a questão seja ainda mais complexa:
Existem muitas informações ocultas e outras tantas distorcidas;
Há interesses políticos de todos os lados que podem distorcer a perspectiva dos fatos;
No meio político, esconder a verdade ou mesmo mentir com habilidade é visto como uma virtude;
Muito do que conhecemos na política é produzido por hábeis profissionais que “constroem” imagens públicas, às vezes distantes da realidade.
Com isso não quero dizer que não podemos ter opiniões. Pelo contrário, somos chamados a sermos “prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mateus 10.16, NAA). Por sermos prudentes, não devemos acreditar em nossas primeiras impressões, e definitivamente não acreditar cegamente em nenhuma personalidade política, por mais que nos identifiquemos com seu discurso. É triste ver cristãos (ou não cristãos) que correm para se aliar a um político e depois ficam tentando de todas as formas cobrir seus erros com explicações que, sinceramente, são ingênuas ou mesmo tolas.
No entanto, nesta situação há alguns conselhos que devemos observar. O primeiro deles está no livro de Provérbios: “Quem responde antes de ouvir comete insensatez e passa vergonha” (18.13).
Com frequência nos deparamos com situações, seja na política, nos negócios ou em relacionamentos, que nos surpreendem. São realidades que não “se encaixam” com aquilo que imaginávamos ser verdade. Diante destas situações precisamos rever o que entendemos ser verdade e/ou rever a verdade que nos foi apresentada. No entanto, dependendo do quanto estamos comprometidos em defender a tal “verdade”, mais difícil será revê-la.
Conta-se a história de que, há alguns séculos, um mandarim de um dos cantões chineses que ouviu o relato de marinheiros portugueses sobre leões. Fascinado, ele chamou seus sábios e artistas e comunicou que na manhã seguinte queria ver uma pintura de um leão. Os sábios e artistas, que nunca tinham visto um leão, correram para os marinheiros e pediram mais detalhes. Na manhã seguinte o mandarim viu uma linda pintura de um ser que tinha feições caninas e longos cabelos lisos que se derramavam por suas costas. Quem tivesse visto um leão saberia imediatamente que aquele ser nem sequer lembrava um leão. Para a sorte dos sábios e artista, o mandarim nunca tinha visto o tal leão e – bastante satisfeito com a pintura – mandou pendurar em seu salão. Anos se passaram e o mesmo mandarim resolveu buscar um leão para seu zoológico particular. Quando o animal chegou, contudo, foi rejeitado por não ser um leão. Após discutir com o mercador que havia trazido o leão, ele ordenou que o animal fosse morto e proibiu a importação de leões, pois estes não eram como a pintura da qual tanto gostava.
“Quem responde antes de ouvir comete insensatez e passa vergonha.” (Provérbios 18.13)
Certamente esse foi um homem que respondeu ou agiu sem ouvir ou avaliar o que conhecia. Sua percepção da verdade era tão arraigada que ele destruiu as evidências diante de si para que estas não confrontassem suas crenças. No capítulo nove do evangelho de João temos os fariseus lidando com o mesmo dilema. Jesus curou um cego, o que era um ato milagroso nunca antes ouvido. Ninguém podia fazer um sinal assim se não fosse de Deus. No entanto, os fariseus já haviam decidido que Jesus não vinha da parte de Deus, muito menos poderia ser o Messias. A partir desta percepção da verdade, eles questionaram o cego que fora curado, questionaram seus pais e no final expulsaram o homem curado, pois sua cura não se encaixava com o que eles criam.
Neste caso não só cometeram insensatez e passaram vergonha, mas perderam o evento pelo qual eles, judeus religiosos, esperavam há séculos: a vinda do Messias. Por bem ou por mal, eles descobriram depois toda a verdade. Na situação que hoje enfrentamos como país, a realidade está ofuscada, confusa. Ninguém, talvez nem mesmo os personagens principais compreendem toda a verdade do que aconteceu. Prudência é reconhecer que há algumas percepções que se pode fazer, mas humildemente reconhecer que a verdade toda não está tão perceptível, não importa as informações privilegiadas que uns e outros afirmem ter. Ao invés de sermos tolos, sejamos sensatos e prudentes. Vamos esperar que a verdade venha à tona.
Minha oração por meu país é que a verdade prevaleça, que tenhamos paz e justiça, que aqueles que lutam por interesses próprios sejam envergonhados e que Deus derrame sua misericórdia sobre nossa nação.
Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutorando em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos, uma neta e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.
Fonte / chamada.com
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