Como manter a fé e a esperança em meio à crise?L
A cela era escura e apertada. Já encontrava-se ali há mais de um ano. Seu crime era apenas de não concordar com o regime opressivo que dominava seu país e que cometia uma atrocidade após a outra. As acusações lançadas contra si eram falsas. Por vezes, a memória das oportunidades que teve para ficar longe de seu país, para se retirar, deviam cruzar sua mente. A memória de sua jovem noiva deveria estar com ele o tempo todo. Por meio de um guarda que havia se tornado seu amigo, conseguia enviar cartas para amigos e para sua noiva. Ele não sabia o que aguardar. Em meio a todas estas incertezas ele escreveu um poema, e sua primeira estrofe era:
De bons poderes sinto-me cercado,
Bem protegido e de fato consolado:
Assim desejo eu passar os dias
E ter convosco um ano de alegrias.[1]
Seu nome era Dietrich Bonhoeffer. Quase no final da guerra, poucas semanas antes do suicídio de Hitler, ele foi enforcado. Um médico nazista que assistiu sua execução escreveu depois: “Eu vi o pastor Bonhoeffer […] ajoelhado no chão, orando fervoroso a Deus. Fiquei emocionado pelo modo como aquele homem amável orava, tão dedicado e com tanta certeza de que Deus o ouvia. No local da execução, ele fez mais uma oração e subiu os degraus da forca corajosamente, calmamente. Sua morte ocorreu em segundos. Nos quase cinquenta anos que trabalhei como médico, nunca tinha visto um homem morrer assim, tão submisso à vontade de Deus”.[2]
Que fé é esta que faz com que um homem injustiçado – e em meio a tantas incertezas – mantenha uma postura tão tranquila e esperançosa? É a fé de Paulo, que afirma no final de sua segunda carta a Timóteo:
Na minha primeira defesa, ninguém apareceu para me apoiar; todos me abandonaram. Que isso não lhes seja cobrado. Mas o Senhor permaneceu ao meu lado e me deu forças, para que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e todos os gentios a ouvissem. E eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de toda obra maligna e me levará a salvo para o seu Reino celestial. A ele seja a glória para todo o sempre. Amém. (2Timóteo 4.16-18)
O mundo começou o ano de 2020 com diversas certezas. Todos tinham planos e projetos e muita segurança de que muito do que sonhavam iria acontecer. Contudo, quase tudo isso está sendo desafiado. Planos estão sendo apagados e qualquer projeto, no mínimo, suspenso. Todos se deparam com o fato de que seja pela pandemia, seja pela crise econômica que virá desta, o mundo não será o mesmo do que quando começamos o ano.
Reparem nas palavras de Paulo. Ele começa afirmando que todos o abandonaram, ninguém o defendeu. Para um homem velho e doente, no final da vida, só isso bastaria para afundar em amargura e depressão; no entanto, suas palavras são cheias de graça: “Que isso não lhes seja cobrado”. Este é um homem em paz cuja tranquilidade não é determinada pelas circunstâncias.
Nossos corações são revelados e nossa fé é depurada em meio à crise.
O verso 17 continua descrevendo essa postura cheia de esperança. Ele se alegra, não porque será libertado (nos versos anteriores ele indica que sabe que será morto), mas porque – pela ação de Deus – muitos ouviram o evangelho. Nestes dias de pandemia, qual é a sua oração? “Deus, nos livra da doença”, ou “Senhor, usa-me para proclamar sua esperança em meio à crise”. Recentemente, numa conversa com Arthur Lupion, missionário no Uruguai, escutei sua afirmação de que não há situação que me libere para amar a Deus ou ao próximo menos do que antes. Pelo contrário, nossos corações são revelados e nossa fé é depurada em meio à crise.
É justamente com essa fé e com essa esperança que Paulo conclui o parágrafo: “O Senhor me livrará de toda obra maligna e me levará para o seu Reino celestial”. Paulo, assim como Bonhoeffer, tinha seus olhos no Autor e Consumador da nossa fé (Hebreus 12.1-2). Ele sabia em quem cria e sabia que este é poderoso para nos guardar até o dia final (2Timóteo 1.12).
Estes são tempos de oportunidade. Sim, há muita tristeza, há muito temor e teremos muitas tragédias. No entanto, este é um tempo de mostrarmos a razão da nossa fé. Nossa fé não está baseada em reuniões públicas. Não está baseada em programações cuidadosamente preparadas. Estas podem até ser manifestações da nossa fé, mas não seu fundamento. O fundamento da nossa fé é nossa relação de rendição e amor pelo nosso Senhor Jesus Cristo. Minha oração é que o povo de Deus se levante para mostrar, em suas palavras e em seu viver diário, quem é o nosso salvador.
Notas
- Dietrich Bonhoeffer, “Resistência e submissão”, Sociedade Internacional Bonhoeffer. Disponível em: <https://bit.ly/3alfs2H>.
- Eberhard Bethge, Dietrich Bonhoeffer: A Biography (Mineápolis, MN: Fortress Press, 2000), p. 927.
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