Texto do Pr. Hamilton Rocha (IBCalhau – São Luís/Ma – publicado na PG do dia 16/02/2020
SETENTA VEZES SETE
“Então Pedro, aproximando-se dele perguntou-lhe: Senhor, até quantas vezes deverei perdoar meu irmão que pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus lhe respondeu: Não te digo que até sete vezes; mas até setenta vezes sete”. Por isso o reino do céu é comparado a um rei que quis acertar contas com seus servos” (Mateus 18:21-23).
Pr. Hamilton Rocha*
Jesus estava falando sobre conflitos nos relacionamentos, como recuperar e disciplinar aqueles que vivem em pecado, portanto a pergunta de Pedro era natural. Jesus respondeu lançando mão do número sete – o número da perfeição – para ensinar que é uma quantidade sem fim. Em outras palavras devemos perdoar sempre. E sempre, e sempre, e sempre.
Na vida em comunidade e em nossa vida pessoal a perfeição não é possível. Ao sugerir um determinado número ou um número limite para o exercício do perdão estamos admitindo que há um determinado momento em que o ser humano pode parar de pecar. O problema é que esse momento não chegará nunca.
A igreja de Jesus não se sustenta na perfeição de seus membros. Não há impecabilidade na membresia da igreja de Cristo. A comunidade dos redimidos vive no espírito do perdão, na consciência de cada um dos discípulos de que a luta contra o pecado é permanente, incansável, sem trégua. Por essa razão a relação entre os membros dessa comunidade se sustenta na mutualidade, na compreensão, na compaixão, no perdão.
Um grupo de estudantes chegou a uma região desértica e lá encontrou um ermitão, vivendo na solidão do ermo. Aqueles jovens indagaram o porquê de aquele homem viver recluso naquele lugar sem ter nada para fazer. O homem respondeu que diariamente ele tinha muito a fazer. Disse que todos os dias ele tinha que domar alguns animais. Ele disse: diariamente eu tenho que domar dois falcões (olhos); treinar duas águias (mãos); manter quietos dois coelhos (pés); vigiar uma serpente (língua); carregar um burro (corpo); e sujeitar um leão (coração). Portanto, há muito por fazer.
Não posso esperar que meus irmãos sejam perfeitos, mas desejo que eles, assim como eu, busquem viver uma vida que agrade a Deus. A perfeição da igreja não é um status ao qual se chega, mas um caminho do qual nunca se desiste. Perfeição só no céu.
Os discípulos de Jesus lutam incansavelmente contra o pecado. Sabem que devem se ajudar uns aos outros nessa luta. Sabem que de vez em quando perderão algumas batalhas. Mas receberão perdão e recomeçarão. E de novo. E de novo. Até setenta vezes sete.
No verso seguinte nosso Senhor inicia uma parábola a respeito do perdão, mas que começa com uma cena de prestação de contas. Por que a Palavra de Deus nos ensina e nos incentiva a procurar aqueles que nos ofenderam para esclarecer a situação? Por que é necessário? Pelo menos por duas razões.
A primeira é que esse acerto de contas preserva a dignidade da pessoa ofendida. Quando alguém me machuca, eu preciso mostrar o meu descontentamento com aquela situação, deixar claro que certo limite foi ultrapassado sem o meu consentimento, e que eu não gostaria que esse limite fosse ultrapassado de novo. Não é razoável sacrificar a dignidade própria em nome de um relacionamento. Os relacionamentos precisam de critérios claros e limites que sejam respeitados. Quando as fronteiras da dignidade das pessoas que se relacionam são ultrapassadas, aos poucos a pessoa ofendida vai se tornando coisa, objeto do outro. Quando isso acontece, quando alguém é ferido e desrespeitado, não há mais um relacionamento entre duas pessoas inteiras. Assim, um dos aspectos do acerto de contas é preservar, ou mesmo devolver, a dignidade das pessoas que se relacionam, principalmente daquela que foi ofendida.
A outra razão para a prestação de contas é dar ao ofensor a oportunidade de enxergar sua conduta, sua postura, sua maneira de ser e viver, a forma como se relaciona com as pessoas. Quando chamo alguém para o confronto em amor, estou cuidando de mim, mas também cuidando do outro. Estou dando ao outro a oportunidade de ele rever sua conduta, seus valores, de transformar-se, porque todo aquele que agride também se diminui, e se torna coisa. Perder a integridade é perder a integralidade. É deixar de ser inteiro.
No processo de prestação de contas, o credor tem sua dignidade respeitada, e o devedor pode ter sua integridade restaurada. Prestação de contas é fundamental tanto para a saúde de um relacionamento quanto para a saúde das pessoas que se relacionam.
O caminho mais fácil para chegar ao fim de um relacionamento é varrer ofensas, mágoas e ressentimentos para debaixo do tapete, tudo isso em nome da paz. Porém, quem chama para um acerto de contas demonstra que deseja se relacionar para sempre.
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