DANIEL LIMA – A COMPLEXIDADE DO SIMPLES
A complexidade do simples
Neste último domingo eu preguei em uma igreja na cidade de Recife. A igreja me pediu para pregar sobre a pessoa de Cristo a partir do Credo Apostólico. Esta antiga declaração é um resumo do ensino dos apóstolos que buscava apresentar conclusões importantes aos debates dos primeiros séculos da igreja. A parte que trata da pessoa de Cristo afirma:
Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Para cada afirmação eu busquei uma passagem bíblica que ensinava esta verdade. Procurei tornar a mensagem simples, mas sem perder sua profundidade. Se há um tema central no cristianismo é justamente sobre a pessoa e a obra de Cristo. Também procurei tornar a mensagem pessoal e não apenas correta teologicamente. Creio que fazemos um desfavor ao evangelho quando apresentarmos uma mensagem verdadeira de modo desinteressante.
Ao final recebi o que, para mim, foi talvez um dos maiores elogios que poderia ter recebido. Uma senhora muito simples, de idade avançada, procurou-me após o término do culto e, segurando uma de minhas mãos, falou muito empolgada: “Pastor, eu entendi pastor!”. Minha alegria foi de ter tido a felicidade de conseguir apresentar um tema complexo de modo que esta senhora pudesse entender. Certamente foi a ação do Espírito que “traduziu” para ela essas verdades.
Este fato me fez refletir sobre a beleza da simplicidade. Não a simplicidade que ignora questões relevantes – isso é obscurantismo. Se por um lado a complexidade não deve nos impedir de examinar um tema, contanto que sejamos humildes e submissos às Escrituras, por outro lado a verdadeira simplicidade não pode ignorar questões complexas. Gosto muito de uma frase atribuída a um juiz norte-americano: “Eu não daria um centavo pela simplicidade que há deste lado da complexidade, mas daria minha vida pela simplicidade que existe do outro lado da complexidade”.[1]
Lendo os evangelhos, percebemos que a fala de Jesus não era complexa, mas simples. Os humildes e excluídos eram atraídos por suas palavras. As crianças o buscavam. Na verdade, diante da interpelação dos mestres da lei, seus argumentos pareciam muito simples, mas de profunda sabedoria. De fato, sua sabedoria espantava seus ouvintes (Marcos 6.2).
Em contrapartida, ao exortar Timóteo a corrigir falsos mestres em Éfeso, Paulo adverte em 1Timóteo 1.6-7: “Alguns se desviaram dessas coisas, voltando-se para discussões inúteis, querendo ser mestres da lei, quando não compreendem nem o que dizem nem as coisas acerca das quais fazem afirmações tão categóricas”. Aparentemente estes homens estavam buscando discussões e fazendo afirmações complexas sem compreender o tema. Pode-se dizer que eles tinham paixão pela complexidade.
Já no Salmo 131, temos outro convite à simplicidade:
1Senhor, o meu coração não é orgulhoso e os meus olhos não são arrogantes. Não me envolvo com coisas grandiosas nem maravilhosas demais para mim. 2De fato, acalmei e tranquilizei a minha alma. Sou como uma criança recém-amamentada por sua mãe; a minha alma é como essa criança. 3Ponha a sua esperança no Senhor, ó Israel, desde agora e para sempre!
O salmista parece equiparar o anseio pelo complexo e grandioso com o orgulho e a arrogância. Certamente a imagem da criança recém-amamentada é de alguém que se satisfaz com a simplicidade. O salmo termina com uma exortação para colocar a esperança no Senhor.
Refletindo sobre este tema, quero me comprometer a
- não fugir de temas complexos, mas usar as verdades que conheço para explicar a realidade que Deus criou;
- buscar a simplicidade ao tratar desses temas, sem ignorar questões pertinentes; e
- trabalhar sempre com a perspectiva de que a resposta última está em Deus, por isso devo lidar com tais temas com toda a humildade.
Minha oração é que você, assim como eu, encontre na simplicidade o consolo de quem teme a Deus.
Nota
- Frase atribuída a Oliver Wendell Holmes Jr., advogado, professor e juiz da Suprema Corte norte-americana entre os anos de 1902 a 1932.
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