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Tantas dores

Por: Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

É sempre doloroso morte de alguém. A dor é única e ninguém pode sequer imaginar o que se sente. Muitas vezes usa-se expressão ‘sei como está se sentindo’ por mera formalidade, mas, mesmo nas maiores das boas intenções, são palavras vãs.

Perder um filho, então, é uma dor incalculável, não deve existir dor maior, uma dor tão doída que nos leva a querer abdicar da vida, porque o sofrimento surdo, urente que nos acompanhará pelo resto da existência, sequer esfria, e só morre quando a vida acaba.

São vida e morte bitolas da igualdade divina. Não existe ninguém melhor, ou pior, pobre, ou rico, crente, ou incréu, em uma enxerga, ou em um hospital de luxo, que dela se livre, que por ela não sofra, e, infelizmente, a que a ela nunca, ou quase nunca, se preparem. A dor da morte é igual para todos.

Mas, a César o que é de César e a Cristo o que dele é. Não será por acreditar na onipotência, onipresença e na onisciência do Criador que não se deve procurar recursos para se manter a vida, onde nos ofereçam os melhores recursos de tratamento e recuperação. Ninguém se entrega ao fatalismo de que quando tem que ser será, está escrito, e a providência divina não recuará do chamamento que fizer de uma alma, qualquer que sejam a idade e os cuidados que nos submetermos para fugir da convocação celestial.

É realmente um absurdo que se possa conceber uma morte decorrente de asma brônquica numa UTI de um hospital, onde tantos meios estão disponíveis para reverter qualquer evento potencialmente letal: respiradores, desfibriladores, medicamentos, ação imediata dos profissionais… realmente é duro, e até certo ponto inaceitável. Não digo absolutamente inaceitável, porque me veio à memória uma máxima, sempre lembrada pelo mestre Raymundo de Matos Serrão, quando tratava de êxitos letais em ocorrências fortuitas: ‘Dans la médécine, comme dans l’amour, ni jamais, ni toujours’; na medicina, como no amor, nem jamais nem sempre. Sempre há uma exceção.

E é justamente isso que torna mais dolorosa e inaceitável a morte de um ente querido, algo fortuito, em um hospital tido como um dos melhores da região, ao abrigo de um setor onde tantas vidas são salvas, em casos mais graves. Revolta, e se quer respostas.

Um caso assim tão pungente, para que não se torne em vão esta perda, dentre muitos outros motivos, poderia servir para refletirmos sobre a omissão do Estado nos serviços públicos de saúde, a emergência, exemplo.

Até novembro de 2011, na atual administração, só nos dois Socorrões, dentre procedimentos hospitalares e ambulatoriais, haviam sido atendidos 1. 219.627 (hum milhão, duzentos e dezenove mil, 627) pessoas. No Hospital da Criança, no mesmo período, foram atendidos 401.307 (quatrocentos e hum mil, trezentos e sete pacientes).

Em que pese o percentual de óbito serem os mesmos dos outros hospitais de emergência pública no país, cabe a pergunta: será que alguns não morreram por culpa dos homens, e não somente pela vontade divina?

A resposta virá mansamente quando se visitam os hospitais e se constatam mais de 200 pacientes em macas (pela quais o SUS não paga, como se gente se tratando lá também não houvesse), outros na fila para uma das cerca de 100 cirurgias que se fazem diariamente nos dois hospitais, cerca de 40 em um e de 50 a 60 no outro.

E passam os dias e a situação mais se agrava. Quantas dores não proclamadas ainda vão se acomodar como um pesadelo permanente no coração dos que perderam seus entes queridos?

Por que essa manifesta e cruel determinação do Estado em desativar seus hospitais próprios, como o do Ipem, por exemplo, com 400 leitos, que atendia a emergência dos servidores, todos tungados em seu patrimônio e que, mais cedo ou mais tarde, terminam nos corredores dos Hospitais do Município? O Hospital Getúlio Vargas, o PAM Diamante, o PAM Cidade Operária, o Hospital da Vila Luizão, hoje limitado a algum tratamento ambulatorial; enfim, uma espécie de complô, azeitado como muita propaganda tendenciosa onde o Pronto Atendimento é vendido como se fosse um hospital e nada mais é que um atendimento rápido de passagem para outro hospitais de que o Estado não dispõe .

Enquanto isso, o erário estadual, invertendo as prioridades, preferindo concreto a gente, gasta R$ 52 milhões por cada quilômetro de uma via que vai acessar três shoppings, fazendo uma ligação de uma zona de engarrafamento para outra. Quinhentos e quatro milhões e 400 mil reais para construir os 9,7 quilômetros projetados. Cada quilômetro construir-se-ia um hospital. É claro que a obra nunca vai ser entregue completa. Como os hospitais do interior que já consumiram um bilhão, e que visitados ‘in locum’, nove deles, pelo deputado Dutra, depôs: ‘Tem maxixe, cobra, jumento, muito mato, só não tem pacientes. Nem ligações de água eles têm’.

Finalmente, quando os gestores do SUS e o Ministério Público vão ser exigentes no cumprimento da resolução 204/201,1 que determina que ‘pacientes graves encaminhados do interior do Estado só sejam transferidos depois de avaliados e estabilizados na Unidade de Saúde de origem ‘ e, o mais importante, ‘que os municípios deverão ser responsabilizados pelos pronto atendimentos, durante 24 horas, dos pacientes não graves, casos sem risco de vida’? E mais, uma vez dado alta, o município que o encaminhou terá no máximo 24 horas para remoção ao município de referência’.

Nada disso, porém, ocorre. Doentes são jogados em ambulâncias e despejados nos serviços de emergência do município sem nenhum encaminhamento, para que se oportunizem leitos; daí as dezenas de macas, E o prazo máximo de que em 24 horas removam o paciente encaminhado também não é cumprido. Daí um percentual de cerca de 20 a 30% deles internados sem necessidade, ocupando as já escassas vagas, porque, mesmo com condições, não há para onde encaminhar para seguir o tratamento.

Este é um pequeno flagrante de tantas dores anunciadas, que se perdem na vala comum das ignoradas dores coletivas.

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