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Ressaca

Por Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

Sabe daquela ressaca quando você toma bebida ordinária? Derruba qualquer um, e nos deixa, como dizia um amigo, com o gosto de cabo de guarda-chuva na boca, seja lá que gosto seja este.

Pois é, estou de ressaca de tanta notícia ordinária, uma em cima da outra, gole atrás de gole, sem sequer dar tempo ao organismo trabalhar o álcool.

Primeiro copo: – Um cidadão sem antecedentes criminais, possuidor de um ofício, foi caçado e morto por policiais militares depois que, supostamente, colocou dez reais de combustível em um posto, e haver tentado se evadir sem efetuar o pagamento. Na perseguição, teriam atirado nos pneus do veículo, mas este foi retirado no local imediatamente depois do homicídio e, estranhamente, o automóvel estava com o tanque de combustível cheio.

Mas estranho ainda é a declaração do secretário de Segurança que endossou a ação dos PMs, entendendo que eles agiram ‘nos conformes’. Esta foi uma dose cavalar.

Segundo copo: – O rádio ligado me tira do torpor, com uma entrevista de um cidadão representante da comunidade do Vinhais Velho, pedindo pelo amor de Deus que lhe preservem uma área criada no mesmo ano da fundação de São Luis, 1612 . Exibe mananciais e fontes, argumenta que lá é um sítio arqueológico por onde passará, degradando tudo, uma desastrada obra que haverá de ligar dois shoppings da cidade, destruindo mangues, áreas protegidas etc., tudo isso ante a indiferença do Ministério Público, das Instituições responsáveis pelo Meio Ambiente, Tribunal de Contas, enfim todos os que, de maneira expedita, até hoje evitaram que a Prefeitura sequer começasse as obras do Socorrão.

Terceiro copo: De repente em uma semana, o Governo do Estado, a curul do Estado símbolo de um poder outorgado a um só, serve de assento para quatro ‘governadores’, em um rodízio que banaliza o cargo, em um precedente nunca visto no Maranhão, independente dos homens que tiveram os seus minutos de glória a lhe acrescentar o currículo.

Quarto copo: – Este foi o mais copioso, de onde eu senti plenamente o gosto acre e insuportável da bebida, mas fazer o quê, se ninguém me afasta (ou) de mim este cálice? Em um final de semana, aconteceram 13 homicídios na Ilha de São Luís, uma calamidade. A polícia anuncia greve, e a justiça dá uma freada no ônibus e põe na rua 283 marginais nas grades da Penitenciária de Pedrinhas, isso sem contar com os que serão despejados pelo indulto de Natal.

Quinto copo: – Um deputado se assanha e, com justa revolta, propõe que a Assembleia Legislativa promova a interdição da BR-135, em suas palavras ‘para mostrar para esses cafajestes lá de fora que no Maranhão tem pessoas de bem que querem evitar mortes dos nossos conterrâneos’, realmente uma atitude temerária, e tomada sem levar em consideração os interesses dos maranhenses numa via na qual dezenas morrem por ano, e, principalmente, afrontando as autoridades do Estado. Quem seria, no entanto, mais infame, para não usar o epíteto do deputado? Um ministro ou dois ministros maranhenses cuja investidura atesta o maior poder político já conferido a um Estado, o mais pobre da federação? Não teriam ele, por dever, um dever de conterrâneo, ao tomar conhecimento deste esbulho, interferido para que o dano fosse reparado?

Afinal aqui é a terra de um ex-presidente e a quarta autoridade na linha de sucessão à chefia do governo, como presidente do Senado da República. Quatro vezes a maior o Chefe do Congresso Nacional, autoridade maior do Poder Legislativo. Por que tanto prestígio político nunca é, ou foi, instrumentalizado para trazer benefícios ao Estado? Na verdade, há até um pouco de coerência na omissão. Na presidência, não deixou um legado físico que, se não o eternizasse, mas que orgulhasse os maranhenses. Será que fariam isso na Bahia do Antônio Carlos Magalhães, um caudilho que cuidava bem de seu curral, e não só dele usufruía?

Sexto copo: – Fazendo as contas no Portal da Transparência um diligente cidadão, preocupado com o dinheiro do povo, descobre que nos últimos doze meses, foram gastos R$ 50 milhões só em propaganda institucional ? Um governo que cancela convênio com o Hospital do Câncer, que não acrescentou nos oito anos que exerceu o seu mandato, um só leito hospitalar, nenhuma sala escolar. E passa batido por quem deveria fiscalizar nosso parco dinheirinho. No ano passado o deputado Flávio Dino já havia dado conta que, nos primeiros seis meses de 2010 já haviam torrado R$ 30 milhões e, a bem da verdade diga-se, na maior transparência, afinal nunca se escondeu que o governador é dono da empresa mais beneficiada com este pacote, pelo menos a metade do espólio.

Sétimo copo: – O STF jurisprudencia (esta inventei agora) e dá seu aval para que as escolas superiores graduem cidadãos que não podem exercer nenhuma profissão, numa ignomínia aos bacharéis de direito, afinal é o único, dentre uma imensa lista nas áreas de Ciências Exatas (Engenharia, Matemática, Estatística etc.), Ciências Humanas (Letras, Filosofia etc.), Ciências Sociais (Direito, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Ciências Econômicas, Ciências Contábeis, Administração etc.) e Ciências da Saúde (Educação, Farmácia, Medicina, Odontologia, Fisioterapia, Enfermagem etc), obrigado a se submeter a uma avaliação penosa que se propõe ignorar instituições e esforços, tornar inútil a graduação e desmoralizar docentes, pretendendo em, duas provas, conferir o que o cidadão aprendeu em cinco anos de batente.

Se o leitor ainda não se embriagou com estas doses, é ‘bom de cana’ mesmo.

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