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Pródigo e perdulário

Por: Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

O governo conseguiu um milagre, como tantos ‘milagres’ brasileiros: por decreto, determinou o número de brasileiros que poderão adoecer, e recorrer aos serviços públicos de saúde em 2012. A quantidade será exatamente a mesma do ano passado, podendo até diminuir se a economia for mal e o país não crescer.

Explico. A presidente Dilma mandou a caneta em 15 dispositivos da lei que regulamenta a emenda 29, fixando os gastos mínimos da União, dos estados e municípios com a saúde pública, entre eles o que previa correção da verba federal para o setor, sempre que houvesse revisão do Produto Interno Bruto (PIB), usado no cálculo original. O que isso significa?

A lei aprovada pelo Congresso concordava que os gastos orçamentários do país com a saúde pública poderia até ser igual a do ano anterior, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do PIB, mas introduzia uma ressalva: sempre que houvesse revisão do Produto Interno Bruto, usado no cálculo original, o que é comum ocorrer depois da apuração, o montante da verba federal para a saúde seria proporcionalmente aumentada.

Detalhando mais ainda.

Normalmente, a definição do PIB passa por três fases. Em março do ano seguinte, o governo anuncia o PIB oficial do ano anterior. É essa apuração que servirá de base para eventuais correções nos valores e gastos apontados no Orçamento da União, inclusive nas despesas com Saúde.

Mas não serão consideradas, a partir daí, as novas revisões do PIB. No caso do PIB de 2011, em dezembro de 2012 haverá uma segunda revisão e, em novembro de 2013, haverá outra. Assim, o governo garante sempre o mesmo percentual de gasto da saúde em relação ao PIB, com um agravante implacável, se o PIB for negativo, como já foi em 2009 ( -0,2%) e em 1992, era Collor (0,54), teoricamente é possível que haja diminuição do investimento. No melhor das hipóteses fica no mesmo, como se congelado pudessem ficar doenças e doentes.

Para este ano, o gasto já está cravado. Foi calculado em cerca de R$ 80 bilhões no Orçamento da União aprovado pelo Congresso. O valor foi definido com base na variação de 11,82% entre o valor do PIB de 2010 (R$ 3,4 trilhões) e o estimado na proposta para 2011 (R$ 4,10 trilhões). Havendo qualquer variação para cima desta ‘estimativa’, não altera nada.

Se isso não for uma grande safadeza do governo em detrimento da saúde da população, então vamos banir esta palavra do dicionário, mesmo assim mutreta continua servindo.

Tem mais, porém. Como é que um governo que faz tanto apelo à probidade, descaradamente incentiva e facilita a ação de gestores a ela predispostos, justamente em uma área onde a Controladoria da União constatou o maior índice de fraudes, vetando um dos dispositivos, que é da maior importância para a fiscalização dos recursos neste setor sabidamente mais sensível à corrupção? Pois vetou. Simplesmente se pretendia que as verbas não aplicadas na Saúde deveriam ser depositadas em conta específica, cujos rendimentos financeiros deveriam ser, depois, investidos na área. Nada mais correto, foi vetado, como também o foi o dispositivo prevendo que os recursos do setor fossem depositados em contas separadas, conforme a fonte de receita.

De bom mesmo, ficou só a não aprovação da famigerada Contribuição Social à Saúde, uma CPMF de roupa nova, que o governo queria porque queria instituir, mas foi derrubado no Congresso, e a proibição ao enxerto que se fazia, colocando à conta da saúde pagamento de aposentadorias e pensões, merenda escolar, saneamento básico, limpeza urbana, preservação ambiental e assistência social.

Na verdade, na verdade, o Orçamento da União para a saúde pública, não mudou em nada para melhor, pelo contrário.

‘Há apenas 10 anos, o governo federal investia algo como R$ 20,3 bilhões na saúde, e os estados e municípios, somados, R$ 13,7 bilhões. Portanto, há 10 anos a União investia, do total gasto na saúde pública brasileira, 60%. Estados e municípios, 40%. Os anos se passaram. Em, 2008, apenas oito anos depois, a participação da União, que era de 60%, caiu para 46%. A de estados e municípios que era de 40%, passou para 54%. Nesse período, foram os estados e municípios que aumentaram sua presença no bolo tributário nacional? Não. O crescimento foi inversamente proporcional, enquanto aumentou a participação da União na arrecadação dos tributos’.

Os municípios continuam obrigados a aplicar 15% de sua receita bruta para o setor, os estados 12%. O país vai ficar mais, ou menos no mesmo percentual do ano passando quando investiu R$ 77 bilhões, cerca de 3,7% do PIB daquele ano, cerca de 4% neste ano.

Se a emenda do então senador Tião Viana, do PT, vejam só, do partido do Presidente, que obrigava o governo federal colocar 10% do seu orçamento na saúde fosse levada em consideração, o SUS teria à sua disposição cerca de 4,7% do PIB brasileiro. Ainda não disporíamos de um sistema de saúde à altura do que diz a Constituição, mas já seria o suficiente para aumentar em 1,44% a renda das famílias brasileiras, e reduzir em 1,5% a desigualdade de renda, de acordo com o IPEA.

Mas é a crise, que crise?

Os senhores sabiam que a Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), que tem acordo de cooperação técnica com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e o Ministério do Esporte, estima em R$ 112 bilhões o custo total do Mundial de 2014?

O grande cancro desse país, porém são os famigerados juros da dívida pública, para os quais muitos torcem o nariz por achar que isso é coisa de economista que não tem o que fazer, sempre repetido, mas de difícil entendimento.

Vamos lá. A dívida pública ocorre, quando governo toma dinheiro emprestado para financiar parte dos seus gastos que não são cobertos com a arrecadação de impostos, ou para a gestão financeira – para alcançar e controlar o nível de atividade, o crédito ou o consumo, ou para captar dólares no exterior.

Paga a maior taxa do mundo (hoje a taxa dos Estados Unidos é zero) e é um bom pagador, espalhou-se pelo mundo a fama, e tudo quanto é especulador internacional aqui aporta e, só no ano passado levou de juros R$ 216,82 bilhões de reais, cerca de R$ 18 bilhões pagos religiosamente a cada mês. Olha que são quase três vezes mais o orçamento para saúde de todos os brasileiros.

Esse dinheirão todo, aplicado em benefício para o país, em educação, por exemplo, daria para construir 234.542 escolas do ensino fundamental. Em saneamento, 64,22 milhões de ligações de esgotos. 332 dois aeroportos internacionais e, pasmem, pagaria por 13 anos o programa bolsa família com 13.352 milhões de famílias custeadas por R$ 16.699 milhões no ano passado.

De tudo isso, fica-nos um nítido perfil de um Brasil que é a Meca dos especuladores, em busca do ganho fácil, capital gerando capital, sem passar pelo trabalho.

É um país rico, mal gerido, falido e mal pago, desgraçadamente pródigo com o acessório, e perdulário com o essencial.

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