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Os inimputáveis

Por: Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

Um governo instituiu na semana passada, por meio de uma lei, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, um conjunto de regras e princípios que regulamenta estas medidas para adolescentes infratores. Uma das inovações que causou mais polêmicas foi a que permite o adolescente internado a visita íntima, desde que ele comprove união estávelou seja casado. O foco do debate, porém sempre é a maioridade penal, quando o adolescente, ou menor infrator, ou em conflito com a lei, sem eufemismos, aquele que cometeu um crime, deve ter responsabilidade penal, ou a plena responsabilidade por atos criminais.

No Brasil, só são imputáveis penalmente maiores de 18 anos de idade. Até lá, os crimes praticados por menores de 18 anos são legalmente chamados de ‘atos infracionais’, e seus praticantes, ‘adolescentes em conflito com a lei’, ou ‘menores infratores’.

As penalidades previstas são chamadas de ‘medidas socioeducativas’ e se restringem a adolescentes, pessoas com idade compreendida entre 12 anos completos e 18 anos incompletos. Todavia, a medida socioeducativa de internação poderá ser excepcionalmente aplicada ao jovem de até 21 anos, caso tenha cometido o ato aos 17 anos.

O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que ‘em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos’, por cada ato infracional grave. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semiliberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de mau comportamento. Entenda-se por inimputabilidade a condição ou qualidade que possui o agente de sofrer a aplicação de pena. E, por sua vez, só sofrerá pena aquele que tinha, ao tempo da ação, ou da omissão, capacidade de compreensão e de autodeterminação frente o fato. Em palavras de leigo, aquele que na idade que resolveu matar, estuprar, furtar, roubar sabia que estava fazendo uma coisa errada, e que por tal poderia ser punido. Aí entra a correlação com a permissão oficial do inimputável por idade receber visitas íntimas, se tiver mais de 18 anos e mantiver uma união estável. Ser, podemos afirmar, um chefe de família. Ora, se o cidadão pode casar, ou se unir, ter filhos, e com eles a responsabilidade da educação e da manutenção como qualquer pai de família independente da idade, como é que ele, vamos supor, aos 16, 17 anos, pode não aquilatar o roubo, o estupro, o assassinato etc… Não são atos errados e contra a lei? Estarão errados países mais civilizados e politicamente muito mais avançados que o nosso em estabelecer limites menores de responsabilidade para que o cidadão responda pelos seus crimes?

Nos Estados Unidos, nossa grande referência, a maioridade penal varia conforme a legislação estadual. Apenas 13 estados fixaram uma idade mínima legal, a qual varia entre 6 e 12 anos. Na maioria dos demais estados, crianças abaixo de 7 anos não podem ser julgadas (ou seja, há uma inimputabilidade absoluta); adolescentes a partir dos 14 anos são julgados como adultos e jovens entre 7 e 14 anos podem ou não ser considerados plenamente responsáveis por seus atos, conforme uma análise individual de cada caso (inimputabilidade relativa).

A maioridade penal é fixada na França aos 13 anos; porém, os jovens entre 13 e 16 anos, mesmo sendo penalmente imputáveis, podem ser condenados a penas correspondentes, no máximo, à metade da pena prevista no Código Penal Francês para um adulto que pratique o mesmo crime. Entre 16 e 18 anos, as penas poderão ser equivalentes às dos adultos. A partir dos 13 anos, o menor pode ser encarcerado. As infrações são divididas em três categorias em função de sua gravidade: as contravenções, os delitos e os crimes (homicídios, estupros etc.).

Na Inglaterra e na Suíça, já aos 7anos, o menor está apto a receber medida correcional. A partir daí, podem ser aplicadas a ele medida de segurança. Na Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia, a maioridade penal é fixada em 15 anos; Itália e Rússia, 14; China, já a partir dos 14 anos pode ser condenado à prisão perpétua.

No total 40% dos países no mundo têm maioridade penal abaixo dos 16 anos. A questão é delicada, controversa e peculiar. Por que nos Estados Unidos, depois que se aplicou a maioridade penal aos7 anos, os crimes de adolescentes triplicaram? Recolher o menor, para incutir-lhe medida socioeducativa, em instituições obsoletas, desestruturadas, ineficientes e insuficientes, tem surtido um efeito contrário.

No Rio Grande do Sul, matéria do jornal Zero Hora, do dia 22/01, dava conta de que, em um seguimento de 10 anos, 135 dos 162 internos em instituições ressocializadoras já haviam tido 340 entradas em prisões por suspeita de cometer crimes. Somando os julgados e condenados, tinham 1,5 mil anos de detenção. Isso demonstra a utopia da ressocialização.

Do mesmo modo, diminuindo a maioridade penal, acrescentar-se-ia hoje cerca de 110 mil jovens ao sistema carcerário que já tem uma deficiência de 147.000 vagas. Iriam transformá-los em quê? Não há soluções simplistas, ou posições que não sejam questionadas com bons argumentos de ambos os lados. Aceitar que adolescentes, já a partir dos 14 anos, no mínimo, não sejam conscientes dos danos que causam quando praticam um crime e tenham plena compreensão de suas consequências, é inadmissível. Sabem o que estão fazendo e o fazem com plena consciência dos danos que causam e das consequências a que estão sujeitos. Têm plena responsabilidade penal.

Por outro lado, há que se ter em conta que, em qualquer lugar que se lhe prive a liberdade, ou em função de medidas socioeducativas, ou de sentença judicial em estabelecimentos penais, em nada repercute na recuperação do criminoso, ou delinquente; pelo contrário, lá se aperfeiçoam nos métodos e técnicas da marginalidade.

Como já foi tocado, há no Brasil 470 mil detentos, para um total de 300 mil vagas. Sobram 170 mil, mas estão dentro, imaginem como. Esta promiscuidade é um terreno fértil para que medre todos os tipos de deformações morais e aprimoramento criminal, mas felizmente não é a única, nem deve ser a mais importante.

Nos presídios de segurança máxima, projetados com todos os requisitos de segurança, de conforto, impecável estrutura de ressocialização (serviços de enfermagem, psicologia, serviço social, pedagogia, terapia ocupacional, farmácia, odontologia e medicina), onde um condenado custa R$ 39.744, por ano e não há superlotação, o grau de recuperação é também ínfimo. A única via que sobra e que nos pode oferecer uma réstia de esperança é a prevenção, mas esta esbarra em óbices mais difíceis ainda. Passa pela família, políticas sociais agressivas, que visem com prioridade à família e à educação do jovem.

É bom lembrar que, enquanto não se resolve o problema, o tempo é medido por vítimas; estas, com certeza, as únicas absolutamente inimputáveis pelos crimes que sofrem.

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