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MUTIRÃO RIMA COM O QUÊ?

Por: Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

Um pedreiro trabalhando oito horas por dia faz 10 metros de muros em 10 dias. Se forem 10 farão em um dia, pois não? Se forem 100, farão em menos de uma hora, certo?

Certo na matemática, não na prática, porque quando o problema envolve atividade humana, a ciência exata não pode ser aplicada por ser o homem um manancial de adaptação ao que é inexato.

As ciências exatas não convivem com as ciências humanas. Como calcular a raiz quadrada da emoção, ou o ângulo dos sentimentos? Entre quem ama e não é amado, a frustração é calculada por uma regra de três inversa ou direta? Qual o percentual de dor maior, a perda de um filho e de um pai?

Mas a que mesmo eu fiz este metafísico preâmbulo? Ah, já me lembro, é o negócio dos mutirões. Voltemos a ele, com outro exemplo:

Um cidadão levantou pela manhã e não pode urinar, uma dor terrível. Correndo foi ao pronto socorro e lhe disseram: – É a próstata, procure um especialista.

E ele procurou, só que deu azar de haver terminado, justamente no dia anterior, um “mutirão da próstata”, quando operou-se todo prostático que atendeu ao chamamento da campanha. Disseram-lhe: – Agora, só para o próximo mês, afinal o doutor trabalhou feito um animal na semana passada e tudo volta à rotina de espera.

O exemplo é uma caricatura, mas serve para justificar o meu óbice aos famosos mutirões.

Agora mesmo, dia 24 de março, sábado, a Clínica de Urologia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, vai mobilizar 100 especialistas para promover mais uma da Campanha da Próstata para o diagnóstico precoce do câncer, doença realmente grave, que acomete anualmente 3% da população masculina, acima de 50 anos.

A previsão é atender 1 mil de homens, com idade entre 50 e 70 anos, e os casos de câncer serão “encaminhados” para cirurgia, a maioria dos casos, no Hospital das Clínicas, já sem mutirão, na fila mesmo.

A área de saúde é pródiga nestes mutirões que, a rigor, não são inúteis, mas é um grave sintoma de como anda a assistência médica aos pacientes fora dos mutirões. Tem mutirões de cirurgia de varizes, de detecção de retinopatia, hemorroidas, catarata, câncer de mama… etc. Este do câncer de mama é risível, e coloca a responsabilidade do diagnóstico no paciente, é ele que tem que se autoexaminar, como se um nódulo detectado pela palpação, se for um carcinoma, já não estivesse em um estágio razoavelmente adiantado. E mesmo depois de detectado, pacientes ficam meses à espera de uma mamografia, xero-mamografia, biópsia de confirmação e finalmente a cirurgia que chega até a 70 dias de espera no SUS.

Na justiça comum, repete-se o mesmo.

Em 2010 e 2011, o programa Mutirão Carcerário, do Conselho Nacional de Justiça, permitiu a libertação de 21 mil pessoas que estavam presas irregularmente no sistema prisional brasileiro. Nesse período, as equipes do programa revisaram 279 mil processos criminais e inspecionaram presídios, cadeias públicas e delegacias de 24 estados e do Distrito Federal. E sempre são chamados para apertar o freio do busão das penitenciárias, quando a imprensa começa a retratar a sobrecarga dos presídios.

A Justiça do Trabalho vai pelo mesmo caminho. No ano passado, de 28/11 a 2/12 foram julgados também em mutirão, 11.600 processos postos em pauta na Semana Nacional de Conciliação, realizada anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e na Semana Nacional da Execução. Trabalhista, promovida pela primeira vez pela Justiça do Trabalho. Desse total, esperava-se chegar a um acordo em pelo menos sete mil ações.

A primeira pergunta que me ocorre é o porquê dos mutirões, desses esforços concentrados, tanto para operar hemorroidas ou próstatas, quanto para julgar criminosos? A resposta é óbvia, acúmulo de trabalho.

Ora, se o trabalho está acumulando é porque estão trabalhando pouco, ou porque são poucos para muito trabalho e aí, a sociedade precisa de uma satisfação sobre o real motivo, o que não é difícil de detectar-se.

Se a necessidade do mutirão é por for falta de profissionais, é porque eles, por mais que queiram, não dão conta do recado, estão exaustos julgando demandas judiciais todo dia e seria uma desumanidade colocá-los, no pouco tempo de descanso que têm, trabalhando mais ainda. Aí é que entra a variante que distingue o homem do número.

Mas vamos supor que a causa seja a outra. Os profissionais estão trabalhando pouco, no caso, juízes não julgando e cirurgiões não operando. De que adiantará um mutirão se daqui a um mês o ritmo voltará ao que era e os acúmulos continuarão anulando qualquer esforço de dinamizar o trabalho?

Daí porque eu não vibro com estes mutirões, a não ser em casos realmente excepcionais quando se exige um esforço contra algo imprevisível que, de repente, precisa ser enfrentado, sob pena de se perder o controle sanitário. Fora disso, não tem sentido e, muitas vezes, prejudica quem é o objeto do mutirão, afinal um homem não é um muro, nem o profissional um dos fatores de uma regra de três.

Quando se lida com bens tão delicados como a liberdade e a vida, há de se ter toda uma precaução, equilíbrio, preparo, disposição e, principalmente, tempo e tranquilidade para agir corretamente.

Para os casos de urgência, tanto a justiça como a medicina, tem seus métodos para atenderem prontamente quem necessita.

E é assim que deve ser. Os serviços devem estar a sua disposição permanentemente para que deles usufrua quando e se deles necessitarem. Fora disso é arrumação.

Que rima com improvisação e mutirão.

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