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Lula recebe indicação de Sarney para cadeira de Aras na PGR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a interlocutores, nos últimos dias, que escolher o novo procurador-geral da República é uma tarefa muito mais difícil do que indicar quem substituirá Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF). Motivo: o chefe do Ministério Público Federal (MPF) tem tanto poder concentrado em suas mãos que, com uma sequência de despachos, é capaz de desgastar o governo de turno até torná-lo insustentável.

Além disso, o MPF vive uma disputa cada vez mais acirrada entre dois grupos políticos. De um lado estão os “pavões” – batizados internamente assim por serem mais conhecidos. De outro, despontam os “tuiuiús”. São aqueles que, a exemplo das aves nada vistosas que habitam o Pantanal, teriam dificuldade para alçar voos mais altos.

Sem encontrar o nome considerado ideal na lista apresentada até hoje para ocupar o lugar de Augusto Aras – que encerrou seu mandato à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) nesta terça-feira, 26 –, Lula pediu novas sugestões a aliados. Foi assim que recebeu, na semana passada, uma indicação do ex-presidente José Sarney (MDB).

O nome avalizado por Sarney é o do subprocurador Luiz Augusto Santos Lima. No último dia 30, Lima chegou a ser nomeado pelo próprio Aras como vice-procurador-geral da República no lugar de Lindôra Araújo, que precisou se afastar do cargo por problemas de saúde. Lindôra, porém, já retornou às suas funções.

Lima é coordenador da 3.ª Câmara do MPF (Consumidor e Ordem Econômica) e foi incluído numa lista que está sob análise de Lula e da qual também constam os nomes dos subprocuradores Paulo Gonet, Antônio Carlos Bigonha, Aurélio Virgílio Veiga Rios e Carlos Frederico Santos.

Gonet tem o apoio dos ministros do Supremo Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, que fazem intensa campanha para emplacá-lo na cadeira de Aras. Bigonha, por sua vez, é o predileto da cúpula do PT e também de ex-dirigentes do partido abatidos pelo escândalo do mensalão, como José Dirceu e José Genoino.

Veiga Rios entrou depois nessa briga. Signatário de um manifesto que pregava a correção de rumos no MPF, rejeitando o controle político da instituição, ele também conta com a simpatia de uma ala do PT e de movimentos sociais. Na outra ponta, o subprocurador Carlos Frederico – responsável pelos inquéritos dos atos golpistas de 8 de janeiro – intitula-se “independente”.

Sarney surge agora como fiador de peso nessa corrida. Tornou-se um amigo muito próximo de Lula, tanto que, quando o petista desceu a rampa do Palácio do Planalto após dois mandatos, em 1.° de janeiro de 2011, fez questão de acompanhá-lo até sua casa, à época em São Bernardo do Campo. Desde então, os dois nunca mais deixaram de se encontrar.

O problema é que, diante de tantas pressões, Lula decidiu “empurrar” a decisão mais um pouco, hábito comum quando tem dúvidas, como ficou evidente na reforma ministerial. No Planalto, auxiliares do presidente afirmam que ele resolveu deixar a disputa “decantar” tanto para a PGR como para o Supremo, onde, no cenário de hoje, o favorito para a cadeira de Rosa Weber é o titular da Justiça, Flávio Dino. Após a escolha, os indicados ainda serão sabatinados no Senado.

Até agora, todos os procuradores-gerais da República nomeados nos governos do PT (Lula e Dilma Rousseff) integraram o grupo dos “tuiuiús”, que se dizia preterido por outros presidentes. Foram escolhidos numa lista tríplice dos mais votados, em eleição promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Desta vez, no entanto, Lula avisou que não pretende seguir a lista, composta por Luiza Frischeisen, Mário Bonsaglia e José Adonis Callou.

Engavetador-geral

No período de quatro anos em que esteve no comando do MPF, Aras sempre se declarou “independente”, mas arquivou uma centena de pedidos de inquérito contra o então presidente Jair Bolsonaro. Foi por isso apelidado de “novo engavetador-geral da República”, numa alusão a Geraldo Brindeiro, indicado para o cargo por Fernando Henrique Cardoso.

Paulo Gonet, que foi sócio do ministro Gilmar Mendes, é do grupo dos “pavões”. Bigonha, que presidiu a ANPR, reforça o time dos “tuiuiús”. Os outros citados para a vaga de Aras dizem não ser de nenhuma patota.

Os “pavões” são vistos como “garantistas” e os “tuiuiús” eram, num passado não muito distante, ligados à esquerda. Ao longo dos anos, porém, a formação original sofreu mudanças, inclusive ideológicas. Tanto que do grupo dos “tuiuiús” saiu Deltan Dallagnol, então coordenador da Lava Jato em Curitiba.

Em 2016, Dallagnol – hoje deputado federal cassado – chegou a dizer que integrantes do Ministério Público estavam “voando como aves migratórias” rumo ao combate à corrupção no Brasil.

Jogo complicado

É por isso que, nesse intrincado jogo, Lula considera a escolha do procurador-geral da República mais crucial do que a indicação do próprio ministro do Supremo. No diagnóstico do Planalto, o chefe do Ministério Público Federal tanto pode usar suas prerrogativas para construir como para destruir o governo. Na prática, cabe somente a ele investigar e propor ações penais contra o presidente e outras autoridades com foro privilegiado, como ministros.

O Supremo, por sua vez, é composto por onze magistrados. Há despachos individuais, mas, geralmente, os julgamentos passam por turmas ou pelo plenário da Corte.

Neste mandato, Lula só nomeou o advogado Cristiano Zanin, que o defendeu na Lava Jato. Mas outros seis ministros – contando Rosa Weber, prestes a se aposentar – foram escolhidos por ele ou por Dilma em outras gestões. A relação inclui Luís Roberto Barroso, que também foi indicado por Dilma e assumirá a presidência do STF nesta quinta-feira, 28.

Apesar de dizer que quer ver na PGR e no Supremo pessoas que possam “atender às expectativas do Brasil”, Lula deseja mesmo ter amigos nesses duas instituições.

Em conversas reservadas, até hoje reclama de ministros nomeados por ele ou Dilma que votaram contra o PT no processo do mensalão e em outras ações de impacto. Esse rol inclui Joaquim Barbosa – aposentado desde 2014 –, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Barroso e Luiz Fux, que, antes de ser indicado, havia prometido a petistas “matar no peito” todas as denúncias. Fez tudo ao contrário. E Lula nunca o perdoou. (Estadão)

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