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E porque é carnaval….

Por: Chico Viana (médico e vereador de São Luís)

E porque é tempo de folia, um pouco de irreverência e de estórias de uma época em que o carnaval era carnaval mesmo, uma festa do povo, para o povo e com o povo. Democracia, era aquilo.

Não havia desfile organizado, alas, baterias, samba-enredo, nada destes badulaques que transformaram o carnaval em um espetáculo, onde o que menos se vê é alegria e disposição para se divertir numa boa.

Para começar, os senhores já viram carnaval sem músicas de carnaval? Lembro-me da primeira marcha que iniciou meus carnavais, ‘Sassaricando’, que eu cantei horrores ainda em plena infância e que até a decretação da morte das músicas carnavalescas animava qualquer salão quando a coisa esfriava. E ainda hoje eu estou sem saber o que é sassaricar, ou saçaricar, e muito menos sassarico. Recorro ao Houaiss, com as suas 3.000 páginas, 228 mil verbetes, 380 definições e ‘fiat lux’: sassaricar é dançar, ou andar sacudindo o corpo; rebolar(-se), saracotear(-se) folgar, brincar; enfim, um verbo intransitivo por mais transigente que fôssemos a seus acordes. Muito apropriadamente, ele registra que sassarico é a pessoa com quem se sassarica, e, mesmo sem saber, sassariquei estes anos todos, e continuo sassaricando aqui e ali, é o hábito.

Banda de carnaval que não o tocasse ‘Jardineira’ nunca mais voltaria ao palco daquele clube e, provavelmente, de nenhum outro. E olha que Orlando Silva gravou esta música do Benedito Lacerda em 1939, e todo ano espancava o cansaço no fim dos bailes, e para colocar todo mundo louco, só ‘Aurora’ (1940), do polivalente Mário Lago.

Enquanto ‘Jardineira’ ardia, ‘As Pastorinhas’ apagavam o fogo com o compasso de uma marcha rancho de Noel Rosa e Braguinha gravada por Sílvio Caldas, em 1934. Vejam só, há 78 anos, e ainda hoje, se os axés da vida permitissem, faria o mesmo sucesso.

No mesmo tom, também do Noel, ‘Pierrot Apaixonado’, de 1935, e ‘Estrela do Mar’ (1952), na peculiar voz de Dalva de oliveira, Para os mais antigos, e olha que já faz 113 anos, quando se fala em ‘Ô Abre Alas’, o verdadeiro hino do Carnaval Brasil, muitos suspiram. E com certeza, tocada por um trio elétrico na Litorânea, levantaria até defunto. Claro que falar em ‘Pé de Anjo’ (1919), na voz do Chico Alves, ‘Meu Periquitinho Verde’ (1937), com a Dircinha Batista, é um deboche; parece coisa do outro mundo, mas não é, nem foi; foram marchinhas que ficaram na lembrança de muitos.

Bom, mas eu não sou tão velho assim, mas estas músicas todas eu cantei e cantei, e como todo ano tocava, eu cantava, dançava e delas sei.

Quando cheguei aqui em São Luís, a bordo do Maria Fumaça, prevaleciam as marchinhas e os sambas curtos, simples, ingênuos e sem nenhuma malícia. Foi uma década pródiga e áurea para o carnaval em clubes. Começávamos na sexta, ali na AABB, do lado dos Maristas, sábado já praticamente amanhecíamos na vesperal do Lítero, e a noite ficava para o Jaguarema. No domingo, tome vesperal no Lítero, emendado com sua festa noturna, seu baile mais tradicional. Na segunda, um dia difícil. Uma opção era o tradicional desfile de fantasias no Jaguarema, com seus nomes mais complicados, tipo ‘O Veado Dourado no Reino das Purpurinas’, coisa do Bezerra, uma farra! Claro que o bom gosto do Chico Coimbra e do Reynaldo Faray davam o tom de requinte a um desfile espetacular. A outra opção era o Casino, para romper a terça, no rabo de um cordão carnavalesco até o ali perto do Éden, onde foi a antiga sede do clube. Na terça, o dia todo no Lítero, mas à noite era indispensável o Clube dos Sargentos, mesmo com o rigor da fiscalização do cabo Princesa, que era duro na queda para quem não era sócio, ou militar, para amanhecermos o dia na Praça Duque de Caxias, ainda com disposição de montar a cavalo. Haja resistência. E no recheio disso tudo, os blocos de sujos na rabeira das ‘Escolas de Samba, filando peixe frito feito na hora que a Casinha da Roça distribuía de graça. Mas havia um motivo, as músicas.

Em 1960, ‘Fechei a porta’, ‘Me Dá Um Dinheiro Aí’; Em 1961, ‘A Lua é dos Namorados’. ‘Brigitte Bardot’, ‘Índio quer apito’, ‘Quero morrer no carnaval’; Em 1963, ‘Eu agora sou feliz’, ‘Pó-de-Mico’ e ‘Twist no Carnaval’.

O ano de 1964 foi o mais animado, ano da ditadura, as marchinhas e os sambas bombaram, comandavam a massa. Tinha o Moisés, estourando com ‘O Bigorrilho’; depois, ‘Cabeleira do Zezé’ e ‘Mulata Bossa Nova’ (J. Roberto Kelly) e ‘Marcha da Cegonha’, ‘Marcha do Remador’, lembram? (‘se a canoa não virar, olê, olê, olá, eu chego lá…’) e ‘Mulata Bossa Nova’. Em 1965, foram poucas: ‘A Canoa Virou’, ‘Na Onda do Berimbau’. Em 1966, ‘Triste Madrugada’, com o Jair Rodrigues, numa música, pasmem, do Wando, um eclético, – e ‘Vem Chegando a Madrugada’. Em 1967, melhorou e muito. Para tanto, basta lembrar a formidável música de Zé Ketty, ‘Máscara Negra’. Só esta bastaria, mas tem mais: ‘Tristeza’, cantada por Jair Rodrigues. Em 1968, Zé Ketty faz outro gol de placa: ‘Até Quarta-Feira’. Mas ainda teve Paulinho da Viola disputando com o samba que se sobrepôs ao carnaval e hoje é uma pérola da MPB: ‘Sei lá, Mangueira’. Em 1969, ‘Avenida Iluminada’. E fim da década.

Nesse ano, terminei o curso e viajei ao Rio. Quando regressei, o carnaval já não era o mesmo, mas havia esperança nos belíssimos sambas-enredo que naquela época se fazia, sem patrocínio nem as apoteoses de carne e isopor, alegorias ricas e corpos vulgares, expondo-se como mercadoria para leilão, para estrangeiros em busca, não de uma manifestação popular, porque mesmo já não é mais, mas de um turismo sexual barato e abundante.

De qualquer maneira, são dias de folia, menos de alegria, mais de desabafo, para se tentar esquecer as amarguras da vida. Que voltam nas cinzas da quarta.

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