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A saúde manipulada

Por: Chico Viana

Nesta semana, um vídeo divulgado no Youtube chocou o país inteiro. Tratava-se de um garoto há mais de sessenta dias com um volumoso tumor na perna, provavelmente um osteossarcoma, no Socorrão, trazido pelo pai de Cururupu.

A rigor, não era caso de emergência, mas como foi levado para lá, lá ficou. Outros, milhares de outros, morrem mesmo no interior, sem recursos para locomoção, sem sequer saber aonde e como levar seus doentes. Talvez o Hospital do Câncer o receba. Ainda existe este hospital funcionando.

Em outros casos crônicos, não urgentes, têm que ficar lá mesmo, ocupando leito para situações onde a intervenção imediata e urgente significa a diferença entre a vida e a morte. E quando estes chegam, como a casa está cheia, acomodam-se onde tem espaço. No chão, em cima de pias, onde for. Daí as manchetes, para gáudio dos que, para atingir adversários, nem se preocupam com o sofrimento dos maranhenses.

Mostramos aqui – e quem quiser rever é só verificar os arquivos do JP – a monumental fraude estatística que se montou no Estado, onde, para conseguir os recursos do SUS, municípios inventam unidades de saúde. Dados do Datasus, (http://cnes.datasus.gov.br/Mod_Ind_Unidade.asp), de setembro de 2010, informam, já que a gente só tem conhecimento nas estatísticas, que temos 84 hospitais municipais com serviço de internação. E pasmem: 126 estabelecimentos municipais e 21 estaduais com atendimento de urgência.

Pois bem. O secretário de Saúde fez na semana passada uma reunião com prefeitos e gestores de saúde dos diversos municípios do interior do Estado, lá no auditório da Assembleia. É óbvio que ante estes dados, e à vista deste formidável corredor de ambulâncias que se forma do interior para os Socorrões, o secretário fosse cobrar resultados. – Como é que em seu município consta que há um hospital e o senhor encaminha todos os casos para a capital? Onde o senhor está gastando os recursos do SUS? Mas não. Nem podia, porque teria também que explicar os 21 hospitais de emergência do Estado registrados no Datasus, quando não tem nenhum. O secretário queria mesmo era descentralizar o descentralizável. Sim, porque não se desloca, ou referencia o que não existe. Eis porque tantos prefeitos acorreram à lamentável reunião, nas palavras do secretário. “Queremos discutir com os gestores a elaboração deste plano. O objetivo é melhorar o atendimento, melhorando também os repasses financeiros. Temos pressa em elaborar estas diretrizes, visto que, muito em breve iremos nos reunir com representantes do Ministério da Saúde. Já neste encontro, nossa intenção é mostrar a realidade da saúde de cada município e pleitear melhorias, inclusive aumento de repasse”.

Falou uma vez em melhorar o atendimento e duas em aumentar o repasse. Isto foi o que assanhou os prefeitos. E vejam como é que vai ficar, no papel, claro, para que os municípios faturem mais; afinal, é época de eleição e nessas época os recursos do SUS viram a moeda mais fácil de se trocar por votos. “Todos os municípios serão obrigados a oferecer programas de hiperdia; hanseníase/tuberculose; imunização; prevenção do câncer do colo de útero e mama; controle de doenças transmissíveis e vigilância em saúde. Na rede de urgência e emergência terão que manter em funcionamento Serviço de Pronto Atendimento (SPA) 24 horas, nebulização, leitos de obstetrícia clínica; sala de procedimentos; consultórios médicos e sala de classificação de risco. Na rede materno infantil (Rede Cegonha) vão oferecer consultas e exames de pré-natal e um centro de parto normal”. Mas oficialmente já não existe? Na prática só existe em Imperatriz.

Agora, vejam vocês, para ficar só neste nível mínimo de exigência, como o secretário não entende mesmo nada do assunto. Belágua, por exemplo, pode dispor de sete médicos para manter um SPA 24 horas por dia, já que a carga horária de um profissional de saúde é 24 horas? E os obstetras, sim, porque havendo leitos de obstetrícia clínica, pressupõe-se que haverá partos? E se por acaso – e isso é muito comum – no decorrer do parto natural aparecer uma complicação que justifique o parto cirúrgico? Vai fazer onde? As unidades só dispõem de leitos para obstetrícia clínica, e sem sala em cirurgia, e não haverá local para tal procedimento. E aí? Leva-se a paciente, já em processo de expulsão do feto, para onde? Como? E se há parto, há recém- nascidos que precisam de assistência peri-natal de um pediatra e não está previsto.

E para as emergências cirúrgicas, mesmo pequenas, haverá cirurgião 24 horas por dia? E a prevenção do câncer ginecológico, quem vai examinar o material? Os senhores estão percebendo o tamanho da irresponsabilidade da Secretaria de Saúde em estimular, ainda bem que só no papel, tal sistema. E é bom que se repita: estas exigências são as mínimas, a chamada atenção primária, pela qual todos os municípios do Maranhão já recebem, mas pouquíssimos dispõem. Há sinceridade nisso?

Enquanto quimeras são lançadas como verdades, as verdades se tornam irrelevantes para quem assim age. Por que tanto empenho em dificultar a construção do novo Hospital de Emergência, que, verdade, vai prestar mais serviços aos municípios do interior do que à capital? Por que se desativam todos os PAMs e hospitais únicos, como o Getúlio Vargas, que trata de aidéticos e tuberculosos? E por que tantos que são pagos para defender o cidadão se omitem?

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