Fechar
Buscar no Site

Pensamentos delinquentes

General Mario Fernandes, à esquerda, admitiu autoria de plano que pretendia assassinar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes. O tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, à direita, também assumiu a autoria de um plano de golpe de Estado. Foto: Reprodução.

À medida que vêm a público os depoimentos dos militares envolvidos na trama golpista que pretendia transformar Jair Bolsonaro em ditador, vai ficando mais difícil a vida de quem insiste em defender a tese de que tudo que foi apontado pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República não passa de uma narrativa da esquerda. No dia 24 de julho, o general Mario Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Bolsonaro, admitiu, sem qualquer constrangimento, ser o autor do plano “Punhal Verde e Amarelo”. O plano golpista – caracterizado por Fernandes como “um pensamento que foi digitalizado” – tinha o objetivo de evitar a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, prevendo ações extremas, como o assassinato de Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Os assassinatos – que poderiam ser praticados por envenenamento, tiros e/ou explosões – serviriam para criar o ambiente propício para que Bolsonaro decretasse a nulidade das eleições e instalasse um gabinete de crise para governar o país.  Réu no processo que investiga a tentativa de golpe de Estado, e preso desde novembro do ano passado, Mario Fernandes tentou amenizar a sua sanha golpista. “Esse arquivo digital nada mais retrata do que um pensamento meu que foi digitalizado. Um compilar de dados, um estudo de situação meu, uma análise de riscos que eu fiz e, por costume próprio, resolvi digitalizar. Não foi apresentado a ninguém e nem compartilhado com ninguém”, disse. A versão é bem diferente do que revela o relatório da PF que embasou sua prisão. O documento afirma que o plano “evidencia as intenções de Mario Fernandes e do grupo investigado, qualificada por um sentimento de absoluto desprezo com os conceitos que permeiam uma sociedade democrática, mas também de total menoscabo [desprezo] à vida humana.”

Para a PF, o tal pensamento digitalizado é “um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco. O plano dispõe de riqueza de detalhes, com indicações acerca do que seria necessário para a sua execução, e, até mesmo, descrevendo a possibilidade da ocorrência de diversas mortes, inclusive de eventuais militares envolvidos.” A investigação da PF também revelou que o general Mario Fernandes imprimiu o “Plano Punhal Verde e Amarelo” dentro do Palácio do Planalto e que, minutos depois, se dirigiu ao Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro estava isolado desde o resultado das eleições.

Em delação divulgada em fevereiro deste ano, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, classificou Mario Fernandes como “raivoso” e um dos mais “ostensivos” na pressão aos generais por um golpe de Estado. “Ele estava bem, digamos, raivoso. Era o que mais impulsionava o presidente Bolsonaro a fazer alguma coisa”, revelou Mauro Cid. Em troca de mensagens interceptadas pela PF, em dezembro de 2022 – a poucos dias da posse de Lula –, Mario Fernandes clamou ao seu superior imediato [general Ramos] que blindasse Jair Bolsonaro de qualquer “desestímulo” em relação aos intentos antidemocráticos. “Algumas fontes sinalizaram que o comandante da Força sinalizaria hoje, foi ao Alvorada para sinalizar ao presidente que ele podia dar ordem. Se o senhor está com o presidente agora e ouvir a tempo, porra, blinda ele contra qualquer desestímulo, qualquer assessoramento diferente. Isso é importante. Força.”

No dia 28 de julho, em depoimento ao STF, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima também reconheceu a autoria de um plano de golpe de Estado que foi encontrado com ele pela PF. Menos dramático que o de Fernandes, o plano do tenente-coronel previa a prisão de juízes do Supremo para neutralizar a capacidade de atuação do ministro Alexandre de Moraes. “Esse documento é como se fosse um esboço, é um rascunho. Ele é um estudo de cenário prospectivo que é previsto nos nossos manuais. Eu não estava fazendo nada oculto. Isso surgiu numa conversa minha com o meu comandante. Eu falei que ia fazer esse cenário. Mas, quando fui apresentar para ele, a prioridade dele era outra. Ele mandou eu abandonar isso de lado. Nem olhou, nem abriu o computador”, atenuou Hélio Ferreira. Ainda que se acredite nas explicações dos dois militares, não é mais possível negar que existiu – se é que ainda não existe – uma proliferação de pensamentos delinquentes na caserna brasileira.

(Coluna publicada originalmente na edição impressa do Jornal Pequeno de 03/08/2025)

O conteúdo deste blog é livre e seus editores não têm ressalvas na reprodução do conteúdo em outros canais, desde que dados os devidos créditos.

mais / Postagens