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Temer não é Tancredo. É Sarney

Em dada altura da tarde de quarta-feira, devido ao mal-estar que levou Temer a ser hospitalizado com urgência em um momento político crucial para o país, surgiram paralelos com a história de Tancredo Neves – eleito indiretamente pelo Congresso no início de 1985, Tancredo foi internado e acabou indo a óbito antes de poder tomar posse. O mineiro era um grande conciliador, um estadista hábil, e com ele foi sepultada a esperança de um grande governo. Em seu lugar, assumiu o vice, José Sarney.

Michel Temer não é Tancredo. Está muito mais para Sarney, só que piorado. Quando assumiu, em 2016, Temer falou que queria liderar um governo de “unificação nacional”. Ao contrário de Tancredo, Temer pode até ser um bom negociador no balcão que ele, Padilha e Imbassahy montaram na entrada do Palácio do Planalto, para garantir maioria na Câmara e se salvar da segunda denúncia da PGR. Quanto à tal “unificação nacional”, está fazendo exatamente o contrário do que prometeu. Basta analisar o quanto a sociedade brasileira está dividida politicamente (o único consenso parece justamente a rejeição a Temer). Basta ver como a própria Câmara Federal ficou cindida ao meio na votação de ontem em plenário (251 a 233).

Não, Temer está muito mais para Sarney. E isso não apenas porque, como o oligarca maranhense, é ele um peemedebista que chegou à Presidência por vias tortas. Temer, a partir de hoje e até o fim do seu governo, se assemelhará ainda mais a Sarney pela maneira melancólica como tende a terminar seu mandato. Assim como o substituto de Tancredo, Temer deve se tornar um “walking dead político”, isto é, um morto-vivo: vai se arrastar até o fim, sem conseguir efetivamente liderar a aprovação de medidas de relevo que são prioritárias para seu governo, principalmente no campo econômico. Por ironia, ele que tanto se queixou de ser um “vice decorativo” para Dilma agora corre o risco de se tornar igualmente ornamental na titularidade.

A vitória de Temer ontem foi alcançada a preço tão alto que ele, politicamente, sai muito mais enfraquecido, apesar de continuar no cargo. É o preço político que terá que pagar por ter aceitado entregar aos deputados tudo o que eles exigiram no mercadão de Brasília. Com isso contradisse o discurso da austeridade, do ajuste fiscal, das reformas para recuperar a confiança de investidores, ficando à mercê da gula dos partidinhos do centrão.

Temer já não tinha credibilidade. Tampouco popularidade (3% de aprovação). Já tinha baixa representatividade do eleitor. Agora, já não terá condições de manter a governabilidade, visto que se colocou na posição de refém das exigências espúrias de sua base. Que força é essa?

Daqui para a frente, o presidente não conseguirá mais impor a sua agenda, só pagar as “dívidas” assumidas. É como o Fausto, de Goethe: para ficar mais jovem (no caso de Temer, mais tempo no cargo), vendeu a alma a Mefistófeles (o diabo). Assim como no texto de Goethe, o Mefistófeles em forma de Congresso voltará para cobrar a sua parte.

A tão falada reforma da Previdência, prioridade máxima de sua agenda, corre o risco de ser enterrada. Embora obviamente necessária para sanar a situação fiscal do país no longo prazo, a medida é altamente impopular, logo indigesta a um Congresso que, a um ano do pleito de 2018, já começa a priorizar a renovação dos mandatos. Não vão querer se comprometer com nada que os indisponha com seu eleitorado. Muito menos por um presidente que hoje só atrai repulsa da população. Se o mais essencial, a idade mínima, passar no Congresso, a equipe econômica de Meirelles já sairá no lucro.

O paradoxo, então, pode ser resumido assim: o governo pretendia ontem dar uma demonstração de força. Mas, para garantir a vitória – pelo menos no placar eletrônico –, distribuiu tantos favores que acabou revelando sua fraqueza: um presidente que, sem respaldo popular, equilibra-se sobre uma base tênue e instável. (Gazeta Online)

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