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Shakespeare, Camus e Bíblia: os livros que fazem a cabeça dos presos da Lava-Jato em busca de reduzir a pena

O Globo – Nas cadeias do país, não há muitas opções para abater penas: pode-se trabalhar no cárcere, fazer cursos e, em alguns casos, comentar livros. Por isso, detentos como o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari enviam mensalmente resenhas de suas leituras para descontar quatro dias no tempo de punição.

O projeto, chamado “Remição da Pena por Estudo através da Leitura”, foi instituído em 2012 no Paraná, estado que concentra boa parte dos presos da Lava-Jato. No Rio de Janeiro, a ação começou em 2016.

Para participar, o preso deve, em até 30 dias, ler um dos títulos escolhidos pelo programa (que vão de poesia a ficção, de autoajuda a textos históricos) e depois escrever uma resenha crítica da obra, que será analisada por magistrados e professores. Para que parte da pena seja retirada, é necessário uma nota mínima de seis pontos em dez.

Quem já obteve nota máxima foi Cabral. O livro, conforme revelado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim, era Hamlet, clássico de Shakespeare que conta a história do jovem príncipe dinamarquês, protagonista que dá nome ao título, que tenta se vingar do tio que matou seu pai e assumiu o trono da nação.

Quem também apostou em clássicos — ainda que mais recentes — foi o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Preso desde 2016 no Complexo Médico Penal de Pinhais (PR), ele já reduziu pelo menos 36 dias da pena ao resenhar obras como “O Estrangeiro”, do francês Albert Camus, no qual o leitor acompanha as crises existencialistas do protagonista Mersault.

A leitura preferida do ex-parlamentar, porém, é a Bíblia. Segundo companheiros de cárcere, Cunha passa horas lendo o livro sagrado, hábito que divide com a leitura de seus processos — o que não gera desconto na pena.

O ex-presidente Lula, assim como o ex-ministro Wagner Rossi e o executivo Gerson Almada, ex-vice-presidente da Engevix, fazem leituras no cárcere que ainda não contribuem para remições. Preso há menos de um mês, o petista já teria lido dois títulos: “A Elite do Atraso”, do pesquisador Jessé de Souza, que trata da desigualdade no Brasil, e “Vá, coloque um vigia”, última obra da consagrada autora americana Harper Lee.

Presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, Breno Melaragno explica que a ação é uma oportunidade para democratizar a remição a mais detentos:

— Sem dúvida é algo positivo, principalmente nas unidades em que o preso não consegue acesso nem ao estudo ou ao trabalho. Ele ocupa a ociosidade com a leitura.

Apesar de existir como alternativa às outras duas formas de abatimento de pena, a produção de resenhas tem alcance muito limitado por fatores como a falta de avaliadores e o pouco número de bibliotecas existentes nas prisões.

O problema é claro no Rio, onde, em 2017, apenas poucas centenas dos 50 mil presos receberam o benefício da leitura. Isso apesar dos 40 mil livros nos 54 presídios do estado, todos doados. As dificuldades principais são a de acesso a professores e de distribuição dos títulos escolhidos pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) para os detentos.

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