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Sarney continua a ter um dos gabinetes mais frequentados de Brasília

Por Maria Cristina Fernandes

Depois da fisioterapia, do banho e do almoço, o ex-presidente José Sarney segue para seu escritório numa torre do Setor Comercial Norte. Aos 87 anos, há três longe de seu último mandato, como senador pelo PMDB do Amapá, Sarney continua a ter um dos gabinetes mais frequentados de Brasília. Recebe políticos de todos os matizes e correligionários do seu Estado de adoção eleitoral, desejosos de ver de volta às urnas o mandatário mais eficiente na gestão da rede de aliados espalhados em postos-chave da República.

Na montagem do quebra-cabeças da sucessão presidencial de 2018, Sarney tornou-se um dos principais conselheiros do presidente Michel Temer. Já fizera o mesmo com os antecessores Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Nos seus diários, FHC começa tratando-o por “o mais ardiloso de todos os políticos nacionais”, passa para o “mais hábil” e conclui que é “gentil, inteligente, bom conversador, esconde o jogo e nem sempre cumpre”.

Sarney esteve pela última vez com Lula no velório de dona Marisa, depois de longo jejum causado por seu engajamento no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Mas é dele que Sarney se ocupa nas conversas que tem tido com Temer. Além de estimular o presidente a manter várias candidaturas no campo governista, até a mais improvável de todas, a do ocupante do Palácio do Planalto, Sarney defende que a candidatura Lula é um preço a ser pago.

Candidatura Lula seria preço a ser pago pelos aliados

Diz que Lula está para atingir um patamar que levaria sua exclusão a manchar de ilegitimidade a disputa eleitoral, além de aumentar a insegurança da legião de investigados que batem ponto na capital federal. Se Lula ficar de fora, como Aécio Neves, Romero Jucá, Renan Calheiros poderão disputar? Se o petista puder concorrer, que ficha corrida estará impedida de se candidatar?

Lembrado de que, numa eleição com Lula, tudo pode acontecer, até o ex-presidente ganhar, pondera que sua rejeição não lhe permite ser considerado imbatível num segundo turno. Afastado do petismo desde o final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando foi flagrado por um fotógrafo na cabine eleitoral em cena que sugeria voto em Aécio Neves, Sarney faz uma conta de padeiro. É a mesma que todos os postulantes, de Minas Gerais para cima, já conhece. Lula até pode não ter votos para voltar à Presidência da República, mas será o maior cabo eleitoral de 2018. Tome-se, por exemplo, o que pode vir a acontecer no Maranhão com a família Sarney se o petista for excluído da campanha.

O patriarca quer a filha Roseana (PMDB) no quinto mandato à frente do Estado, contra a reeleição do governador Flávio Dino (PCdoB). O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho (PV), condenado a disputar eternamente a Câmara dos Deputados pela precedência da irmã, também teria a oportunidade de concorrer, pela primeira vez, a uma vaga no Senado. Até o filho Fernando, hoje vice-presidente da CBF, poderia estrear nas urnas como suplente de senador se o pai resolver encarar mais uma disputa majoritária no Amapá. Nada como esperar o dia amanhã com um foro privilegiado.

O palanque de Lula no Estado é o de Flávio Dino (PCdoB). Um dos autores da Lei da Ficha Limpa, o governador conhece como poucos o trâmite da impugnação eleitoral dela decorrente. Pela sucessão de recursos dos quais Lula pode vir a lançar mão, Dino dá por certo que o ex-presidente, no mínimo, manteria sua candidatura até o fim de agosto. O governador acaba com convergir com seu principal adversário: “No pior das hipóteses, se confirmaria um processo de exclusão ilegítima”.

Ouviu de uma eleitora de seu Estado, que o ‘velhinho’ deve voltar, sinal de que Lula repetiria o queremismo de Getúlio Vargas, embalado, em 1951, pelo jingle de Francisco Alves (“Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar”). Da classe média que se descolou do lulismo, Dino diz que os efeitos de reformas governistas como a trabalhista se encarregará de devolver os votos. Reconhece que os desempregados mais pobres podem preferir um trabalho intermitente a nada, mas cita a demissão em massa nas faculdades Estácio de Sá, para recontratação sob as novas regras, como exemplo com potencial de atração do eleitor de classe média lulista desgarrado. É difícil imaginar que o professorado seja este eleitor desgarrado do petismo, mas a moda pode pegar no resto da economia.

Nada disso pode reverter uma decisão judicial em última instância e sem possibilidade de embargos ou recursos. Mas se o caldo for de insatisfação e Lula ficar impedido, seu potencial de transferência de votos, que já é o maior do mercado, ficaria potencializado. A opção do ex-presidente pelo ex-prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, para disputar o governo de São Paulo, apenas sacramenta a ideia de que o ex-prefeito da capital, Fernando Haddad, é mantido como reserva estratégica do lulismo. A lei permite a troca do candidato do partido até 20 dias antes da eleição.

É este o cenário que parece preocupar Sarney. Nos Estados em que Lula é mais popular, o governo Michel Temer não tem como esperar que seus aliados possam vir a comemorar sua exclusão. Tirante Jair Bolsonaro, que faz surgir comitês espontâneos no Nordeste, os demais candidatos custam a empolgar, ainda que seja cedo para dizer que Marina não possa vir a crescer como terceira via. A ex-senadora correu para se lançar na esteira da desistência de Luciano Huck e buscar o partido (PPS) que oferecera abrigo ao apresentador. É uma candidatura que enfraqueceria o grupo do PSB favorável ao ex-ministro Joaquim Barbosa. Ao visitar Pernambuco em data que o governador, Paulo Câmara (PSB), estava em viagem, o governador Geraldo Alckmin explicitou as dificuldades em ter o PSB ao seu lado. Se, além de São Paulo e Pernambuco, o PT também acenar com apoio ao PSB no Distrito Federal, ficará mais difícil tirar o PSB do lado de Lula. Com o apoio, em graus variados, dos senadores Renan Calheiros (AL), Eunício Oliveira (CE) e Ciro Nogueira (PI), os petistas rumam para lacrar o Nordeste.

O governador do Maranhão tem vice tucano, mas não duvida que o PSDB terá palanque próprio no Estado. Torce para que Temer conclua o seu, em torno de Roseana, e lhe transfira toda sua popularidade. Daí porque Sarney tem estimulado tantas candidaturas governistas que, somadas, não alcançam dois dígitos. Dissipa o vínculo dos candidatos da base aliada com o governismo e evita que o antilulismo ricocheteie e os atinja.

Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às quintas-feiras

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