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Os 30 anos do sequestro do avião em que maranhense queria matar Sarney

Fernando Murilo de Lima e Silva, piloto do voo 375, que salvou a vida de dezenas de pessoas

O piloto Fernando Murilo de Lima e Silva, do Boeing 737-300 da Vasp — voo 375 —, saiu de Confins e pretendia seguir para o destino final, o Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Dada: 29 de setembro de 1988. Há 30 anos.

O desempregado Raimundo Nonato Alves da Conceição, de 28 anos, ex-funcionário da Construtora Mendes Júnior, arranjou um culpado para suas desditas: o presidente José Sarney. Decidiu sequestrar o Boeing e jogá-lo no Palácio do Planalto, com o objetivo de matar o presidente da República.

Trinta anos depois, a repórter Ana Clara Brant, do jornal “Estado de Minas”, decidiu recontar a história, ouvindo o piloto e alguns passageiros. O título de sua reportagem é “A história do Boeing que seria jogado no Palácio do Planalto”.

O maranhense Raimundo Nonato entrou no avião em Belo Horizonte. Cento e cinco pessoas estavam no voo. O comandante do Boeing era Fernando Murilo de Lima e Silva e Salvador Evangelista, o Vângelis, era o copiloto.

De repente, Raimundo Nonato exigiu que a cabine fosse aberta. Como não foi, atirou e acertou uma orelha do comissário Ronaldo Dias. Insistiu que a cabine deveria ser aberta e, como não foi, atirou de novo e acertou a perna do piloto Gilberto Renhe, piloto extra da Vasp que estava de “carona” no voo.

“Vamos para Brasília!”

Com o tiroteio, a cabine foi aberta. Raimundo Nonato ordenou: “Vamos para Brasília. Tenho um acerto com Sarney!”

O piloto Fernando Murilo, um ás da pilotagem, e, à direita, o sequestrador Raimundo Nonato já internado no Hospital Santa Geneveva, em Goiânia – Fotos: AC/Divulgação

O piloto Murilo acionou o transponder e informou o código internacional de sequestro. “E ainda avisei bem baixinho que o desejo dele era jogar o avião sobre o Palácio do Planalto”, relata. Salvador Evangelista, de 34 anos, pegou o microfone para responder à torre de comando e Raimundo Nonato, pensando que estava armado, matou-o. Vângelis deixou uma filha.

Ao sobrevoar Brasília, percebendo nuvens, Murilo informou a Raimundo Nonato que não havia como aterrissar. O sequestrador sugeriu que o piloto pousasse o avião em Anápolis e, depois, Goiânia.

“Foi aí que mostrei para ele o marcador de combustível e falei que o avião ir parar de funcionar e a gente ia cair. Ele nem quis saber. Eu continuei sobrevoando a pista de Goiânia e aí ele soltou: ‘Vamos para São Paulo’. Comecei a ficar desesperado porque se a gente mal tinha combustível para ali perto, que diria São Paulo”, afirma Murilo.

Ana Brant reporta que, ao perceber que o colega estava morto, “o comandante Murilo fez uma ação que foi crucial para o desfecho da história. Ele tirou o avião do piloto automático e executou um tonneau (manobra em que o avião dá uma volta completa ao redor de seu eixo longitudinal) para ver se o sequestrador perdia o equilíbrio”. Raimundo Nonato continuava de pé. “Foi então que decidi partir para uma manobra mais arriscada, o parafuso (o avião perde a sustentação e cai de bico, girando as asas como um pião; a aeronave gira descendo). Um dos motores havia parado e eu pensei, como vou morrer mesmo, vou arriscar. Parti para o tudo ou nada. Já que vou morrer, vou morrer brigando porque, pelo visto, ele não ia me deixar pousar”, acrescenta o piloto. O sequestrador caiu e Murilo aproveitou para aterrissar no Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia.

As manobras do piloto Murilo foram tão extraordinárias — inéditas — que até hoje não são reconhecidas pela Boeing. “Mesmo com testemunhas dentro e fora do avião, a empresa nunca homologou o feito”, narra Ana Brant. “Isso nunca tinha acontecido na aviação comercial. Eles alegam que é praticamente impossível um Boeing executar isso”, afirma Ivan Sant’Anna, autor de livro sobre acidentes de aviões.

Soldados cercam o avião em que estava o sequestrador Raimundo Nonato e mais 104 pessoas, no Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia – Foto: AC/Divulgação

Com uma pistola nas mãos, Raimundo Nonato continuou a ameaçar a tripulação, mas decidiu embarcar num Bandeirante da Aeronáutica. O comandante seguiu junto como refém. “Você não vai me trair, né?”, disse o maranhense. Murilo redarguiu: “Não vou. Vai dar tudo certo”.

Murilo estava ajudando Raimundo Nonato a subir no avião quando escutou um tiro. Um atirador de elite acertou o sequestrador. O piloto saiu correndo e, sentindo-se traído, Raimundo Nonato atirou e acertou uma de suas pernas. Mas ele escapou e, aos 71 anos, mora no Rio de Janeiro.

Morte no Hospital Santa Genoveva

Na época o Hospital Santa Genoveva (dirigido pelo médico Francisco Ludovico), agora fechado, era uma das principais referências em medicina em Goiânia e também ficava próximo do aeroporto. Os feridos — Murilo, Gilberto Renhe, Ronaldo Dias e Raimundo Nonato — foram levados para lá.

Médicos do Santa Genoveva examinaram Raimundo Nonato e disseram que, apesar de ter recebido três tiros, não corria risco de morte. Mas, de repente, morreu o homem que sonhava vingar-se do presidente Sarney. Ouvido pelo “Estado de Minas”, Ivan Sant’Anna diz que “a morte foi tão inesperada e estranha que nenhum legista de Goiás quis dar o atestado de óbito. Tiveram que chamar um legista de fora, o Badan Palhares”.

Ana Brant frisa que o “laudo apontava que a causa do óbito do tratorista era anemia falciforme e não tinha nenhuma relação com os tiros”. Ivan Sant’Anna comenta que “o que falavam era que ele foi assassinado pela própria polícia com uma injeção letal. E o caso foi esquecido”.

História será levada ao cinema

A história do piloto Murilo e do desempregado Raimundo Nonato — “um maluco”, postula Ivan Sant’Anna — será levada ao cinema. Joana Henning, criadora da Escarlate Conteúdo Audiovisual e Experiências Criativas, vai transformar a pesquisa do jornalista Constâncio Viana Coutinho, produtor de Brasília, num longa-metragem. Com roteiro de Lusa Silvestre, o filme terá orçamento de 10 milhões de reais. “Promete ser um filme de ação nunca antes feito no Brasil, com direito a estrutura e equipe de fora”, conta Ana Brant. “Murilo é o grande herói dessa história. Um herói de carne e osso”, assinala Joana Henning.

O filme será dirigido por Marcus Baldini. “Tudo é extraordinário. O nosso filme tem um pouco dessa missão também, de resgate e divulgação desse episódio”, diz.

Sarney nunca agradeceu o piloto

José Sarney assumiu a Presidência da República com a morte de Tancredo Neves e fez um governo considerado desastroso do ponto de vista econômico

O objetivo número um de Raimundo Nonato era matar o presidente José Sarney, criador de uma política econômica que produziu crise e, portanto, desemprego. Com suas manobras arriscadas, o piloto Murilo salvou vidas — dos tripulantes, dos passageiros e de quem estava no Palácio do Planalto. Maranhense como Raimundo Nonato, o político e escritor José Sarney nunca reconheceu o feito do comandante da Vasp. “Ele nunca me dirigiu a palavra. Nunca me agradeceu. Mas não tenho mágoa. Estou tranquilo com minha consciência e sei que fiz meu papel”, afirma.

Leia a reportagem completa no “Estado de Minas”

https://www.jornalopcao.com.br/_amp/s/www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/09/28/interna_politica,992438/amp.html

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