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O eleitor de Donald Trump é estúpido?

Supporters of Republican presidential candidate Donald Trump cheer as they watch election returns during an election night rally, Tuesday, Nov. 8, 2016, in New York. (AP Photo/ Evan Vucci) ORG XMIT: NYEV211

A vitória de Donald Trump provocou fortes emoções. Analistas normalmente sóbrios atribuíram o triunfo à estupidez de eleitores brancos menos escolarizados. Seu eleitor é estúpido?

Wisconsin, Michigan e Pensilvânia decidiram a eleição. O resto do país não surpreendeu. Os republicanos não venciam em Michigan e Pensilvânia desde 1988. Nem eles mesmos esperavam levar Wisconsin: o último havia sido Reagan, em 1984. Trump também levou Ohio com larga margem (o que era antecipado), onde Obama ganhou duas vezes.

Ohio, Michigan, Pensilvânia e, em menor grau, Wisconsin fazem parte do “rust belt” (cinturão da ferrugem), região em decadência crônica, onde há muitos eleitores saudosos do passado industrial próspero.

Trump ofereceu três explicações para a decadência: os acordos comerciais desvantajosos e o comércio predatório chinês provocam a perda de empregos industriais; os impostos e a burocracia “exportam” empregos; e os imigrantes roubam empregos dos americanos.

As soluções são fáceis de entender. Renegociar acordos como o Nafta e aumentar as tarifas de importações da China, dificultar a entrada de imigrantes (e expulsar os ilegais) e induzir as empresas a não “mandar os empregos para o México”, diminuindo impostos.

A ideais econômicas do candidato Trump são para lá de frágeis. O declínio do “rust belt” começou nos anos 1960, muito antes do Nafta e da emergência da China.

Trump propõe um corte de impostos e austeridade fiscal. Não diz como. Não seria cortando despesas militares. O alívio tributário produziria tanta riqueza que se pagaria.

Não é claro que a imigração diminua muito o salário do trabalhador menos educado (“blue-collar”). Certamente não é culpada pela estagnação do “rust belt”.

Sem outro lugar para cortar, o alívio tributário pode colocar em risco o sistema de seguridade social, o que talvez prejudique exatamente os menos escolarizados do “rust belt”. O eleitor das áreas industriais de Ohio talvez ainda não seja elegível para o Medicaid, seguro médico público para a baixa renda. Mas, a julgar pela evolução de sua renda, não seria surpreendente votar em quem propunha expandir o Medicaid.

Trump culpa fantasmas e oferece voluntarismo: um caça-fantasmas. Não muito diferente do populismo latino-americano de esquerda, para quem os fantasmas são “as elites” e o imperialismo ianque.

Daí a conclusão de que seu eleitor seja estúpido. Acredita em fantasmas e vota contra os próprios interesses.

Atribuir o êxito de Trump à estupidez do eleitor é preguiça analítica. O eleitor no “rust belt” vê sua renda parada há décadas, enquanto a prosperidade aumenta. Trump oferece explicações e soluções bem erradas, mas críveis.

O eleitor não acompanha o debate acadêmico sobre imigrantes e salários. Tampouco conhece a literatura especializada nas causas do declínio do “rust belt”. Com um conjunto limitado de informações, a Pensilvânia industrial decidiu racionalmente. Assim como o fez o eleitor nordestino ao reeleger presidentes petistas durante a bonança, fosse ela real ou aparente.

O comércio globalizado e o progresso técnico trouxeram enorme riqueza, mas os ganhos se distribuíram desigualmente. O “rust belt” não está entre os vencedores. A vitória de Trump e o “brexit” nos lembram que um dos desafios mais importantes da democracia liberal é conseguir compensar os perdedores. Eles falaram alto neste ano.

Por João Manoel Pinho de Mello

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