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Impopular, Temer usa receita de Sarney

Por LUÍS COSTA PINTO 

O diálogo é a chave da política. É o combustível de Brasília. É, ao mesmo tempo, o seguro e o resseguro de qualquer governo. Dura, turrona, cabeçuda, Dilma Rousseff foi deposta, em apertada síntese, por absoluta falta de diálogo. As chantagens do hoje presidiário Eduardo Cunha não teriam chegado a termo, no impeachment, se Dilma fosse uma alma disposta a ouvir, ponderar e agir em colegiado.

Com Fernando Collor também se deu assim. Inebriado pelo poder, ele acreditava ser um imperador. Imperial, recusou-se a escutar alertas da sociedade civil e das instituições partidárias mais consolidadas àquele momento e em 1992 deixou prosperar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que deu os motivos para o Congresso cassá-lo por corrupção.

Com Michel Temer, a quem coube o papel de ocupar a chefia de governo com a deposição de Dilma, dá-se o inverso. Um amigo meu, bom baiano, publicitário, costuma dizer que Temer e sua gestão se seguram em um talo de coentro. Quem já viu talos de coentro plantados em hortas sabe que eles balançam com o vento, vergam até a raiz, mas se sustentam nos ramos alheios da plantação.

No caso de Temer, os ramos alheios estão no Parlamento, Câmara e Senado, e é esse o diferencial que o fez chegar no cargo para comemorar o primeiro ano pós-impeachment: o diálogo muitas vezes esgarçado com deputados e senadores.

Habilmente, construiu sólida relação institucional com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, e a partir deles ergueu dois pilares de sustentação para sua “pinguela” (como definiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fazendo galhofa com a “Ponte para o Futuro”).

O governo é muito mal avaliado –aprovação de apenas 11%, de acordo com a última rodada do DataPoder360– e Temer é fortemente rejeitado caso, por hipótese, almeje se candidatar a um mandato presidencial em 2018. Escândalos de corrupção, na esteira da Lava Jato e da Operação Carne Fraca, engolem prontuários de ministros. A inflação cai, possibilitando a acentuada redução de juros, mas o desemprego segue em alta e com viés nessa rota, e a produção industrial teima em não se recuperar. Não há um projeto nacional posto sobre a mesa. Estariam dadas as condições de ingovernabilidade experimentadas pelo ex-presidente José Sarney entre 1988 e 1989. Mas Temer e sua equipe são resilientes aos protestos e aos movimentos de queda justamente porque têm no Parlamento seus fiadores.

Não há segredo aí: é a mesma receita de Sarney e sua dependência do “centrão” parlamentar tecido por Roberto Cardoso Alves e Ricardo Fiúza durante a Constituinte de 1987-1988.

Vice de Tancredo Neves, transformado presidente por uma trapaça da História, o maranhense José Sarney chegou ao seu último ano de mandato presidencial estropiado pelas denúncias de corrupção e de incompetência administrativa. A inflação subia descontroladamente e nada parava em pé na Esplanada. Cordial, gregário e hábil no trato da micropolítica, o ex-presidente não teve candidato que o defendesse nos palanques de 1989, mas passou a faixa ao sucessor e deixou seu nome no Panteão da República. Em 1990 disputou pela primeira vez o Senado pelo Amapá (já tinha sido senador pelo Maranhão) e recalibrou a biografia numa versão 1.0, mesmo tendo presidido o Senado 3 vezes nesse período.

Fernando Henrique Cardoso, em 1999, e Lula, em 2005, enfrentaram intensas turbulências em seus mandatos presidenciais. Contudo, estabilizaram a cabine de comando de seus governos com intenso diálogo no Parlamento. Lula elegeu a sucessora. FHC entregou-se aos fatos e cuidou de coordenar a melhor transição entre dois grupos politicamente divergentes em todo o nosso período republicano.

Há 1 ano no Palácio do Planalto, Temer tem de olhar para a frente certo de não haver mais futuro em sua carreira política. Apesar disso, precisa estar sempre cioso do papel que lhe cabe no presente a fim de não tisnar o passado de ex-presidente da Câmara e de “constitucionalista”. E esse papel é o de governante de transição. Só isso. Daqui para a frente ele terá de se adequar àquilo que a História lhe reservou, a figuração como coadjuvante do próprio governo, e precisará abrir a cena para os protagonistas de 2018.

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