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Para Flávio Dino, tirar Lula do jogo é meio para impor agenda de retrocesso

Em entrevista a veículos da mídia alternativa, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), apontou o caráter político do julgamento do ex-presidente Lula, segundo ele marcado por “esoterismos jurídicos”. Na sua avaliação, a tentativa de “tirar Lula do jogo” é um meio para implantar uma agenda de retrocessos. Nesse sentido, ele afirmou que é tarefa de todos os democratas defender que o ex-presidente fique em liberdade até o julgamento final de seu processo e possa se candidatar à Presidência.

“No Brasil, há uma associação óbvia entre retrocessos políticos e institucionais e uma agenda que não é apenas de restrição da atuação de um campo político a partir de uma de suas principais lideranças. Tudo isso é meio para haver um brutal retrocesso na implementação de um projeto nacional de desenvolvimento”, disse, durante a entrevista, que aconteceu na tarde desta segunda (29), no centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo.

O governador, que é ex-juiz federal, pontuou que, para verificar tal associação, basta olhar para atual ofensiva sobre o pré-sal e o setor elétrico brasileiros. “Há uma matriz antinacional muito forte e também uma perspectiva de retomada do ciclo de crescimento pela via do sacrifício dos direitos trabalhistas e previdenciários do povo mais pobre, ampliando a margem de renda do capital por sobre as rendas do trabalho”, afirmou.

Judiciário a serviço da elite

Dino destacou que, por se tratar de um programa derrotado quatro vezes nas urnas, precisaria ser implementado por outras vias. “O sufrágio universal, no fundo, é um indesejado pela fração dominante das elites brasileiras, que têm saudade do voto censitário. Já provaram isso várias vezes, seja quando analisamos a ruptura pelo golpe militar em 1964, seja com essas rupturas mais recentes, com essa novidade que não é só brasileira, mas latino-americana, de apropriação do jogo judiciário para a consumação de reviravoltas institucionais”, indicou.

De acordo com ele, o julgamento de Lula pelo Tribunal Regional federal da 4ª Região (TRF-4) tornou isso mais nítido, a partir do momento em que os três desembargadores não só confirmaram, como agravaram a condenação a Lula. “E o fizeram em uma espécie de pacto corporativo, sustentado por um certo ethos institucional autônomo, próprio do judiciário, mas também pela dita opinião pública ou pelo poder que os grupos e mídia têm de impor uma agenda que foi cumprida por intermédio desse processos judiciais”, disse.

Nunca antes na história do Direito

Para o governador, o TRF-4 adicionou “novos ingredientes” a esse processo, algo que nem o juiz Sérgio Moro teve a “ousadia” de fazer. “Me refiro, por exemplo, ao tamanho da pena. Algumas milhares de páginas do Direito brasileiro foram rasgadas naquele julgamento”, disparou.

O primeiro questionamento de Dino é à configuração da corrupção passiva, pela qual Lula foi condenado. Trata-se de crime que só pode ser cometido por funcionário público, mas todos os atos relativos a reformas e móveis do apartamento no Guarujá se deram quando Lula não era mais presidente. “Ou seja, era impossível dizer que havia corrupção passiva”.

Para sustentar este discurso, Dino completa, foi preciso retroceder a consumação do crime para antes de 2010. “Como se tornou incontroverso nos autos que não houve o recebimento de nada, se mudou o núcleo do tipo penal para “solicitar”. Não se prova onde, quando e como teria sido isso para evitar o debate sobre prescrição”, colocou.

“O TRF-4 criou então outros esoterismos jurídicos. Criou o crime de corrupção complexo, ou seja, não se sabe a data em que foi cometido, e aumentou a pena, porque se fosse a pena do juiz Sérgio Moro, no futuro, iria dar prescrição”, afirmou.

Isso porque Lula tem mais de 70 anos, e a lei prevê, nesse caso, uma redução dos prazos de prescrição à metade. “Moro havia estabelecido pena de seis anos e alguma coisa por corrupção passiva, e prescreveria em 12. Mas como Lula tem mais de 70, prescreveria em seis”, detalhou.

Como a suposta solicitação de vantagem indevida teria que ter acontecido em 2009 e a denúncia só foi recebida em 2016, haveria então a prescrição da pena. “A saída foi aumentar a pena. Se a pena não nos serve, mudemos a pena”, criticou.

O crime de corrupção passiva tem pena mínima de dois anos e máxima de 12. Lula foi condenado pelo TRF-4 a oito anos e quatro meses, apesar de ser réu primário e ter bons antecedentes. “Isso jamais aconteceu no direito brasileiro antes. Para o juiz se afastar da pena mínima precisa fundamentar com fatos objetivos, isso jamais poderia ser para evitar a prescrição. Tanto que isso não é dito, mas foi o que aconteceu”, resumiu o governador.

Segundo Flávio Dino, no caso da condenação por lavagem de dinheiro, o “esoterismo” é maior ainda. “Porque a OAS é laranja dela mesmo. É um caso inusitado de lavagem em que o detentor do bem continua a ser o mesmo. É surrealista”, ironizou.



Julgadores pouco sóbrios

O ex-juiz analisou então que é por tudo isso que há certo consenso na comunidade jurídica de que o julgamento foi atípico. ”O que ocorre é que talvez essa força bruta que foi usada seja a fraqueza da decisão, porque as pessoas estão vendo. (…) Todos sabem que não havia suporte sequer para a competência da vara de Curitiba, já que o apartamento fica no Guarujá, e não havia correlação nítida com nenhum ato relacionado à Petrobras”, disse.

O governador condenou ainda a postura dos desembargadores, classificando-os de “muito passionalizados, pouco sóbrios e pouco comprometidos com uma aparência de imparcialidade”. Segundo ele, talvez seja exatamente essa atuação escancarada que possa fazer com que as instâncias superiores não consigam manter a mesma posição que o TRF. “Não é o cenário provável, mas é possível”, ponderou.

Garantir liberdade até fim do julgamento

Diante deste cenário, Dino declarou que é fundamental que todos os que acreditam no Estado democrático de direito defendam que Lula possa ter acesso às instâncias superiores da Justiça em liberdade e também que ele possa concorrer à Presidência.

“Nesse caso, seria uma violência ainda maior privar Lula imediatamente de sua liberdade, enquanto ainda tramitam recursos. Essa tese tem que ser sublinhada o tempo todo, porque é preciso que haja razões [para ele ser preso] e, num julgamento tão questionável, precisamos reafirmar esse direito fundamental de Lula”, colocou.

Defender a candidatura

Para Dino, é preciso também buscar a aplicação dos mecanismos da lei da Ficha Limpa, que inclui a ideia de que quando houver “plausibilidade do direito a concorrer”, as instâncias superiores devem conceder uma liminar permitindo a candidatura, por que afastar uma pessoa do pleito seria uma lesão irreparável.

“Passada a eleição, é impossível qualquer tipo de reparação. Em condição normais, a lei garante ao presidente Lula o direito a uma liminar para disputar uma eleição. Essas são lutas justas que devem ser trilhadas”, pregou.

Ele citou que sempre há hipótese de “o time se recusar a jogar” em um ambiente em que “não há regras”, mas, na sua análise, não seria da melhor saída. “Na atual quadra histórica, temos que prosseguir no exercício dessa luta institucional com os escassos meios disponíveis, mas reconhecendo que ainda há meios disponíveis. Não vejo outra saída prática”.

Luta de classes

Segundo o governador do Maranhão, ao lado da articulação e da mobilização política e social, é importante o embate pelas estratégias jurídicas que podem servir ao presidente Lula, “como uma dimensão fundamental da luta de classe”.

“A principal questão da luta de classes no país hoje se dá em torno da narrativa sobre esse julgamento. Como mostrar que o direto de um personagem político está sendo violado como caminho para a consecução de um programa antipopular e antinacional”, resumiu.

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